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sábado, 26 de abril de 2014

Nebulosidades auditivas (12)

Fernão Capelo Gaivota 

Jonathan Livingston Seagull
The New York Times, July 3, 1974 
Des Moines, Iowa, July 2 - John H. Livingston, the man who inspired the best-selling novel "Jonathan Livingston Seagull," died Sunday at the Pompano Beach (Fla.) Airport soon after completing his last plane ride. Richard Bach, a former Iowa Air Guard pilot, has said his best-selling book about a free-wheeling seagull was inspired by Mr. Livingston. (...)

Se Richard Bach se inspirou no piloto americano, a tradução portuguesa foi muito clara...
... ao (David) Livingstone, associou o (Hermenegildo) Capelo.
Acrescentou ainda um Fernão (entre muitos, provavelmente o Magalhães).
Os espanhóis também evitaram o nome Livingston, e usaram Juan Salvador Gaivota. Casos únicos.

A pequena história de Richard Bach de uma gaivota, gull, mas seagull e não portgull, passa a filme de sucesso mundial em 1973, usando uma banda sonora de Diamond... Neil Diamond:
Lost, on a painted sky, where the clouds are hung
For the poet's eye, you may find him, if you may find him

Assim, juntando ao poema marítimo "a life on the ocean wave", em 1974, tudo está pronto para uma outra canção "revolucionária" - Somos Livres... mais conhecida pelos versos:
Uma gaivota voava, voava, asas de vento, coração de mar.
Como ela, somos livres, somos livres de voar.
... registo único conhecido de Ermelinda Duarte.

1973 é um ano marcante.
- Para Portugal, a visita de Marcelo Caetano a Londres, que acabara de entrar na CEE, pode ter assinalado o fim do regime. Creio que Salazar nunca saiu de Portugal - só se foi a Espanha comprar caramelos. Mas é também um ano em que se fundam o macavenco PS de Soares, e o expresso do "pilgrim" Balsemão. Dois personagens que vão definir os partidos do "arco" do seu governo.
- É o último ano de "visitas lunares".
- É o ano da Crise Petrolífera, que abala a economia internacional, e afectará muito Portugal. 
- É o ano de inauguração do World Trade Center, das torres gémeas. 
- Nixon abre as portas com uma visita à China, começa a retirar tropas do Vietname, e será afastado pelo caso Watergate. Se Nixon foi afastado, Kissinger manter-se-à bem activo. Recebe o Prémio Nobel da Paz pelos acordos de Paris, que levariam à retirada dos EUA do Vietnam.
- Em contraponto, Allende é morto no golpe militar chileno... 

Os estados ibéricos procuravam manter os anacrónicos regimes que sobreviveram à 2ª Guerra, Franco era substituído por Carrero Blanco, mas esse será assassinado pela ETA no mesmo ano. Está lançado o ataque contra o "fascismo" na Europa... ao mesmo tempo que é apoiado no Chile.

Pensar que a comunidade internacional, muito em particular, americanos, e sobretudo ingleses, se alhearam do assunto, e que foi uma iniciativa local, parida por uns insatisfeitos capitães de Abril, é um mito que interessou preservar.
A liberdade da gaivota do seu voo é muito condicionada pelas correntes de ar, e os seus objectivos podem ser facilmente distraídos por uma embarcação cheia de peixe... como ela, somos livres, mas nem tanto quanto isso!

Na Ópera Otelo, o alferes Iago fica melindrado com a promoção a tenente de Cássio pelo General Otelo, e inicia uma série de intrigas... 
Salgueiro Maia soube sair de cena no 25 de Abril, e apesar do seu papel fulcral não foi um dos promovidos, só passando a Major em 1981, ao contrário de outros que rapidamente passaram de capitães a generais.

Por vezes, nem tudo o que é previsto acontece, e a ópera Otelo não foi encenada em Portugal... houve outras operetas, outros cantos de cisne, e a revolta deu a volta prevista.

Este postal não foi feito no 25 de Abril, dia de muitos anónimos, simbolizados no nome de Maia, Salgueiro Maia. Não sabiam tudo ao que iam, mas iam por bem... e essa simples diferença, faz muitas vezes a diferença.

Nota adicional
As coisas são como são e valem o que valem.
Pouca gente conhece Salgueiro Maia pelo primeiro nome... Fernando.
Comecei o post anterior pelo A de ABBA, e é melhor acabar este da mesma forma, deixando os B's pelo meio.
There was something in the air that night, the stars were bright Fernando 
They were shining there for you and me, for liberty, Fernando

Björn Ulvaeus terá dito que era uma canção sobre revolucionários mexicanos, e a referência ao "rio grande" pode sugerir isso. Mas, enfim, ainda que os ABBA nunca tenham vindo actuar em Portugal... em 1975 não seria a revolução que estaria mais na mente de um grupo que tinha acabado de ganhar o festival da canção dias antes em que Fernando ouvia o "E depois do adeus", e avançava com as tropas de Santarém a Lisboa, pelo curso do grande rio.
Ao que parece, a canção era só de Frida, e passou a ferida revolucionária com o nome "Hernandez", mas o nome foi mudado para "Fernando", por aquilo a que se chama "espírito santo de orelha":

Originally named "Hernandez", the writers made last-minute changes to the title before recording. The suggestion of the name "Fernando" was given by their limousine driver Peter Forbes in Shepperton, England. Tony Fernando, a wealthy exports director for celebrities such as Princess Anne and Tom Selleck, was a friend of Peter Forbes.

Roger that. Oscar. Bravo. Over and out.

9 comentários:

  1. Muito bom, sim senhor!.. E parece que há ainda um Tony Fernandes (é só mesmo pelo nome)... hehehe
    http://en.wikipedia.org/wiki/Tony_Fernandes

    E por falar em sonoridades.... lembrei-me do Bando das Gaivotas... ;) tinha um tal de Joe Rodríguez na guitarra...

    It's not the way you look
    It's not the way that you smile
    Although there's something to them

    It's not the way you have your hair
    It's not that certain style
    It could be that with you

    If I had a photograph of you
    It's something to remind me
    I wouldn't spend my life just wishing

    It's not the make-up
    And it's not the way that you dance
    It's not the evening sky

    It's more the way your eyes
    Are laughing as they glance
    Across the great divide

    If I had a photograph of you
    It's something to remind me
    I wouldn't spend my life just wishing

    It's not the things you say
    It's not the things you do
    But it must be something more

    And if I feel this way for so long
    Tell me is it all for nothing
    Just don't walk out the door

    If I had a photograph of you
    It's something to remind me
    I wouldn't spend my life just wishing

    É uma das minhas favoritas...

    https://www.youtube.com/watch?v=_zpOnnc5Jus



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    1. Essa conexão ao "kristang" Tony Fernandes é muito boa, até porque tinhamos acabado de falar na Malásia e no seu avião em parte incerta!
      Ora o Tony Fernandes tem uma companhia aérea...
      Gostei mesmo.
      E também gostei dos Flock of Seagulls, daquelas bandas que apareceu por estas bandas e desapareceu tão rapidamente quanto apareceu. Tiveram só dois ou três sucessos, mas eram músicas muito "orelhudas", e ainda hoje se ouvem muito bem.

      O resto são "coincidências"... e as coincidências, quer se queira, quer não, são a base de toda a ciência. Afinal, também podemos considerar que as coisas caírem sempre que as largamos é uma simples coincidência.
      Aceitar tudo como coincidência, é negar alguma ordem...
      Aceitar tudo como não-coincidência, é negar algum caos...
      Não é uma coisa nem outra, está algures pelo meio, pelo menos ao nível da percepção que dispomos.
      Como já disse aqui... no momento em que as coisas se começavam a encaixar como não coincidências, temi pelo pior - ou seja, que o mundo fosse previsível. Quando se chega a esse ponto, percebe-se o valor que tem estarmos errados. Quem pretende estar certo em tudo, não vislumbra minimamente o inferno em que se quer meter.

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  2. Faltou aqui salientar que 1974 é também o ano em que a Grécia vai abandonar a "ditadura dos coronéis"...
    Portanto, por "coincidência clara" os regimes fascistas europeus (Portugal, Grécia, Espanha) caem todos num espaço de um ano, por vontade popular, como se está a ver.

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  3. São as "sintonias cósmicas ou neste caso populares" ou será sinfonias?! ;)
    Isto tem outro nome, mas agora não me lembro...

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    1. Quando a batuta faz uma saída limpa, pode falar-se em sinfonia, sim.
      Agora quando a batuta fica suja de muito sangue e sofrimento, é mais martelinhos do que cravo, já que se cravam na carne e não na mona. ;-)

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  4. Uiiii... nem me fale nisso... É sair de uma e logo, logo... entrar noutra... Outra que pelos vistos será com sofrimento e sangue... isto é já para Setembro...
    http://www.zerohedge.com/news/2014-04-29/west-strikes-back-these-are-all-nato-aircraft-deployments-response-ukraine-crisis

    Não tenho a certeza se será uma fonte fiável... mas...

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    1. Com os 4 aviões portugueses acho que a Rússia vai ficar rendida...

      Sobre o sofrimento e sangue, há uma maneira de entender a coisa... no velho preceito de Leibniz, que dizia que estávamos no melhor dos mundos possíveis.
      É assim... estamos no melhor dos mundos que nos inclua - os outros, como é óbvio não teremos notícia, por manifesta ausência.
      Como não tenho que a coisa seja tão madrasta, há um acordo onde acordamos.
      Quantos menos estiverem nesse acordo, mais parece que mais vale ir acordar para outro lado. Podemos ir de livre vontade, mas isso é decisão extrema, ou somos "chamados" naturalmente - ainda que seja por intenção alheia.
      O acordo tem que ser o maior possível, porque o universo está a acordar, e esse acordar envolve o maior acordo possível. O que não for ainda possível, passa por acordar noutro lado. Ao acordar noutro lado, talvez fique mais fácil de acordar depois neste.
      Como se trata de um processo, segundo Leibniz, optimal, julgo que isto será feito no menor tempo possível, mas não no menor tempo impossível... porque há malta muito teimosa. Faz parte, mas o resto também.

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  5. Já agora, esquecendo a mulher barbuda(*), o Acaso pode aparecer nos trapinhos.

    1982, fase final dos Abba.
    A Agnetha escolhe este trapinho:
    https://www.youtube.com/watch?v=iTduYXf9s5s

    Vai ao guarda-roupa e diz para si:
    - "Olha que trapinho tão engraçado com dois cavaleiros no mesmo cavalo"

    ... por mero Acaso, digamos, é símbolo dos Templários
    http://en.wikipedia.org/wiki/File:Seal_of_Templars.jpg

    "Agnus dei", moto caro aos templários, e Agnetha.
    Está bem. Boas músicas, se houve algo de jeito que saiu dos Eurofestivais foram os ABBA.

    ________________
    (*) Sobre recentes palhaçadas festivaleiras:
    https://www.youtube.com/watch?v=QRUIava4WRM

    ... a tradição popular, vinda sabe-se lá de onde, prevê estas situações:

    Homem ruivo e mulher barbuda, de longe se saúda.

    Deus nos acuda, do homem sem barba e da mulher barbuda.


    Enfim, poderia dar para rir, mas nem isso, já é só ridículo.

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  6. Bem visto, sim senhor... sempre atento aos pequenos pormenores... e tem razão os ABBA foi o que de melhor passou por esse Festival mais que politizado (sempre foi... desde o início... isso e os Jogos sem Fronteiras, lembra-se? - ou como dizia o Peter Gabriel - "Games without frontiers / War without tears")

    Quanto a barbas.... olhe, na minha modesta opinião, foi um genial golpe de marketing... e claro, condizente com a ideologia politica dominante...

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