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sábado, 28 de dezembro de 2013

Patas

Pelo meio da evolução, interessa perceber o que pode ter levado a umas soluções e não a outras.
Por estranho que possa parecer, há evidência biológica para respostas geométricas. Um caso típico é a divisão que levou aos Tetrapodes, ou seja, 4 patas, que junta todos os vertebrados terrestres e aves (incluem-se aí as asas, que saem de patas).
Os insectos, aranhas, escorpiões e crustáceos, com múltiplas patas, caem noutra parte do reino animal - os Artrópodes - a solução com número maior de patas trouxe uma curiosidade - nenhuns são vertebrados.

Talvez mais engraçada é uma grande divisão animal que separa os "Protostomas" dos "Deuterostomas"... já que há uma escolha embrionária primitiva, relativamente ao tubo digestivo:
Protostomas - Abrir primeiro a boca (artrópodes, moluscos);
Deuterostomas - Abrir primeiro o ânus (vertebrados, estrelas do mar).

O ovo fecundado começa a subdividir-se, e de alguma forma replicando a geração universal, a sucessão 1, 2, 4, 8... duplicará células aparentemente semelhantes, mas que irão ter funções muito diferentes.
Uma primeira fase do processo consiste na definição da "parede" que separa o interior do exterior... essa "parede" é a pele, representada na blástula do embrião.
No caso dos animais, devido à necessidade de alimentação, define-se logo o tubo digestivo, pela gástrula, que unirá "furos" na blástula... por um lado a boca, por outro lado o ânus.
Onde abre primeiro? - uma grande separação entre os animais é feita nesta opção. Em todos os vertebrados, o tubo digestivo abre primeiro pelo ânus... algo que é bastante diferente dos insectos, moluscos, etc... onde o tubo digestivo abre primeiro pela boca.

Esta divisão inicial centrada no tubo digestivo, mostra bem a importância vital da alimentação na constituição dos organismos primitivos. A alimentação revelará a essência atómica da vida. Comer podia ser um processo mecânico, mas vai ao fundamento químico atómico. Ou seja, a ingestão de outros organismos poderia simplesmente consistir num aproveitamento das suas células, para benefício do organismo que ingere. Qual a necessidade de destruir por completo as células da presa, se grande parte desse processo remete à construção de novas células no predador? Em certas tribos havia até a ideia de ligar a ingestão de órgãos para benefício dos mesmos órgãos... porém, como sabemos, o processo é bem mais radical e os nutrientes aproveitados estão ao nível molecular básico, até atómico. Ao predador interessam as moléculas, os átomos, ou a energia, e estruturas mais complexas da presa são completamente destruídas no fluxo pelo tubo digestivo.
Se o processo parece brutal pela redução da presa a simples nutrientes, não deixa de ser revelador de que a vida animal é independente da destruição doutras formas de vida, apenas recolhe os nutrientes dessa forma.
Uns seres vivos tornaram-se em autênticas fábricas de nutrientes para outros, sendo o caso mais paradigmático o das plantas. Mas este tipo de estrutura é suficientemente abstracta, e espelha-se até socialmente. Uma grande população serve como fábrica de nutrientes para uma elite predadora. É claro que a classificação predador e presa no processo humano remete a conceitos muito mais sofisticados do que a simples sobrevivência, ou a mera competição num determinado objectivo.

Voltando à questão embrionária.
Definido um corpo central, percebemos que há basicamente duas possibilidades - a radial e a não radial.
A opção radial não privilegia nenhuma direcção. 
Assumindo uma direcção preferencial, começaram a definir-se os corpos bilaterais, que seguiam a direcção do tubo digestivo - da boca à cauda. Portanto, foi a questão do tubo digestivo, a questão da comida que definiu essa orientação preferencial, e vemos que nos vertebrados a coluna segue exactamente essa direcção, que é também a direcção de locomoção.
Uma ameba pode ser vista como um corpo radial, onde nem sequer estão definidos membros... o número de extremidades é flexível e variável. O movimento do corpo amorfo é possível em todas as direcções, mas isso implica uma grande complexidade a programar a estrutura... só para controlar o movimento!
Assim, a complexidade do DNA nas amebas pode estar ligada justamente a uma complexidade estrutural que permite definir movimentos e formas arbitrárias. Isso deixa de acontecer quando a estrutura fica rígida, e ao indivíduo são permitidas poucas hipóteses de movimento. Por exemplo, os vertebrados tetrapodes ficaram reduzidos a deslocamentos fixos, com apenas quatro "patas".

Portanto, solução simples na codificação do movimento no DNA seria definir um número fixo de direcções. 
A solução pôde ser radial, mas com um número limitado de raios, de patas, que saem do corpo central, no caso dos artrópodes. 
No caso dos moluscos, as extremidades servem apenas a locomoção, e são o mais próximo do radial, tudo o resto fica preso ao corpo central (p.ex. tubo digestivo e olhos - que no caso de bivalves distribuem-se pela várias direcções). Dentro dos artrópodes, as aranhas têm uma solução parecida. Já os insectos desenvolveram uma solução diferente onde, das oito ramificações saídas do corpo central, uma das extremidades definiu a cabeça para onde migram os olhos e cérebro, e a outra extremidade tomou funções digestivas e reprodutivas, ficando as restantes 6 para as patas. Mais do que as aranhas que têm até 8 olhos, os insectos adquiriram uma direcção preferencial, com dois olhos, e estabeleceu-se uma bilateralidade não vertebrada. 

Os vertebrados começaram por definir o tubo digestivo como direcção, como no caso dos peixes, onde o número de membros não estaria completamente definido, e de soluções com múltiplas barbatanas, chegámos aos peixes pulmonados, tetrapodes, de onde se pensa terem surgido os vertebrados terrestres.
Esses vertebrados terrestres definiram 6 componentes onde, para além das quatro patas, uma das componentes definiria uma "pouco útil" cauda, e uma essencial cabeça.
Hominídeos e humanos dispensaram o prolongamento na cauda, o cócix limita o "six", reduzindo a 5 as componentes que também são replicadas nos dígitos (5 dedos). Ainda assim, do ponto de vista geométrico, o "macaco que perde a cauda" é um passo menos surpreendente do que o das cobras... que dispensaram as 4 patas, aparecendo como uma variante de tetrapode com uma única direcção preferencial, enquanto as aves evoluíram duas das suas patas em asas. 
O caso das aves é especialmente paradigmático porque apesar da significativa redução de direcções, a sofisticação do controlo das asas permite complexos movimentos de voo. Seria já a nível de um cérebro evoluído que se processaria o controlo de movimentos, não passando pela codificação directa no DNA. Por muito rápido e inerente que seja o processo, pode fazer sentido dizer que as aves aprendem a voar, e que alguns mamíferos aprendem a andar... algo que não se verifica com répteis.

Este ponto final é especialmente importante... a reprodução diversificada pela combinação de genes atingiria um certo limite crítico ao remeter codificações ao cérebro. A sofisticação do cérebro avançaria mais rapidamente do que a codificação genética. O contexto na formação do cérebro do indivíduo iria ultrapassar a vantagem da codificação genética incorporada pelo parentesco biológico.
Chegados esse ponto, a menos de transformação genética "mágica", o cérebro de indivíduos semelhantes passa a ser muito mais funcional pelo contexto educacional do que por resultado do património genético. As variações genéticas só a curso de inúmeras gerações poderiam ser eficazes, enquanto um cérebro flexível rapidamente se adaptaria a novos contextos... foi esse o caso humano.

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