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quarta-feira, 22 de junho de 2011

Milho a milhas

Num post antigo do Portugalliae, era apresentado um vídeo de Gunnar Thompson sobre a evidência da existência de milho entre os egípcios:


Não estão aqui em causa os argumentos de Thompson, e seria bom que houvesse imagens em vez de desenhos, mas é óbvio que ele se baseou em imagens reais e tenha decidido não usar material sujeito a direitos de autor. Apesar de estar na internet desde 2009, este vídeo revelador teve menos de 500 visitas, o que mostra bem que não basta divulgar, é preciso que a máquina de divulgação o autorize.

Se admitirmos que o milho é originário da América, isso significaria uma prova da presença egípcia nas américas... essa é uma linha de raciocínio possível, mas desconheço como se pode provar que só havia milho na América, e que daí chegou ao resto do mundo.

O nosso propósito aqui é ligeiramente diferente... numa tradução do livro "Sobre as Faculdades Naturais" de Galeno, feita em 1916 por A. J. Brock, encontramos a seguinte peça:
Or shall we also furnish our argument with the illustration afforded by corn? For those who refuse to admit that anything is attracted by anything else, will, I imagine, be here proved more ignorant regarding Nature than the very peasants. When, for my own part, I first learned of what happens, I was surprised, and felt anxious to see it with my own eyes. Afterwards, when experience also had confirmed its truth, I sought long among the various sects for an explanation, and, with the exception of that which gave the first place to attraction, I could find none which even approached plausibility, all the others being ridiculous and obviously quite untenable.
A palavra corn tem uma tradução que é milho... ou seja o tradutor aceitava que Galeno no Séc. II falava de milho, que segundo consta hoje só seria descoberto na América! Mas a descrição é mais elucidativa:
What happens, then, is the following. When our peasants are bringing corn from the country into the city in wagons, and wish to filch some away without being detected, they fill earthen jars with water and stand them among the corn; the corn then draws the moisture into itself through the jar and acquires additional bulk and weight, but the fact is never detected by the onlookers unless someone who knew about the trick before makes a more careful inspection. Yet, if you care to set down the same vessel in the very hot sun, you will find the daily loss to be very little indeed. Thus corn has a greater power than extreme solar heat of drawing to itself the moisture in its neighbourhood. Thus the theory that the water is carried towards the rarefied part of the air surrounding us (particularly when that is distinctly warm) is utter nonsense; for although it is much more rarefied there than it is amongst the corn, yet it does not take up a tenth part of the moisture which the corn does.
Ou seja, fala-se no Séc. II, concretamente no transporte de milho em vagões pelos camponeses e na propriedade do milho inchar... que é observada em várias coisas (em particular no processo das pipocas).
Não seria acidente o milho inchar, o propósito era aumentar o seu peso para que os camponeses pudessem ficar com algum para seu proveito, sem ser detectado entre pesagens, conforme Galeno explica. O objectivo de Galeno era apenas mostrar um princípio de atracção que ilustrava com a capacidade do milho inchar - "atraindo" o que o circundava.

Este não é o único texto em que vemos referências ao milho.
Por exemplo, na parte sobre a Hispania, na tradução de 1903 de Estrabo diz-se o seguinte:

Large quantities of corn and wine are exported from Turdetania, 
besides much oil, which is of the first quality;


Ou seja, é possível ler que o milho viria da Turdetania (e outras partes da Hispania e Aquitania).

Fica assim claro que no início do Séc. XX não havia a noção de que fosse algo estranho admitir que havia cultura de milho na Antiguidade... as traduções fazem-no com alguma naturalidade. Por isso, é de admitir que só no decurso do Séc. XX houve a fixação de que o milho seria exclusividade americana até aos descobrimentos!

Se o milho é originário das Américas, pois nesse caso ficam mais claras as viagens oceânicas na Antiguidade, caso ainda fosse necessária essa prova adicional... Porém, o que deve ter acontecido é que a cultura do milho na Europa durante a Idade Média, ou desapareceu pelas alterações climáticas, ou foi mesmo proibida (o que é mais natural, talvez até pelo artifício de enganar as pesagens relatado por Galeno).
O milho terá sido então reencontrado e autorizado no decurso das "descobertas", mas tanto pode ter tido a sua origem nas Américas, como pode ter sido levado para a América na Antiguidade.
Mas a questão da "prioridade dos descobrimentos" é o primeiro milho dado aos pardais, o que interessa é a questão da proibição, quem a implementou e por que razões?...

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NOTA IMPORTANTE [03/06/2013]
No século XIX era habitual usar-se a palavra "corn" para grão distinguindo "maize corn" para milho.
Actualmente a designação "corn" é usada para milho... portanto uma boa parte deste texto desfaz-se nesse equívoco de linguagem. Por isso algumas palavras aparecem agora cortadas, e o texto passou a cinzento... não está todo invalidado porque ainda tem como base a referência de Gunnar Thompson.

13 comentários:

  1. Glúten destrói os neurónios, obrigar o seu consumo uma das maneiras de impedir que o cérebro humano desenvolva todas as suas capacidades, desde o Império Romano que se dá pão e Circo gratuitamente para tal

    Cumprimentos
    José Manuel CH-GE

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    1. Durante o Império Romano sabiam que o Glutén destrói os neurónios?!

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    2. Caro João Ribeiro,

      há um comentário do José Manuel que praticamente responde à sua pergunta:

      http://alvor-silves.blogspot.pt/2014/01/batochina-e-pulo-cabale.html#c2046243882594991491

      Desde sempre acreditei que muitas civilizações desapareceram principalmente por causa do consumo das drogas, os Vikings adicionavam um cogumelo alucinogénico na produção da sua cerveja, potes com canábis foi encontrado no cemitério lacustre da bacia do Tarim, o das múmias dos celtas do ocidente, mão digo que foram lá para o comprar mas que desde sempre a humanidade não pode viver sem elas, que o digam igualmente as múmias do faraós do Egipto.
      As múmias da Bacia do Tarim


      http://portugalliae.blogspot.ch/2010/04/as-mumias-da-bacia-do-tarim.html

      Num dos YouTube mostra o xamane da Índia com o canábis (3/3).

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      Ou seja, há indicações de que o conhecimento médico (ou técnico) nas civilizações antigas era bastante maior do que somos levados a acreditar hoje.

      Cumprimentos

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  2. Interessante!... não sabia desse efeito secundário.

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  3. Na minha perspectiva o facto de terem descoberto plantas ou substâncias (por mero acaso) que lhes causavam sintomas alucinogénos não é propriamente a mesma situação de terem o conhecimento médico/cientifico que o Glutén encontrado em alimentos como o pão, destrói os neurónios. São duas situações diferentes. De resto a meu ver os Vikings não desapareceram pura e simplesmente, evoluíram. A comprová-lo temos hoje os povos escandinavos, vivos e de boa saúde. Os Faraós desapareceram tal como os Romanos. Quando um sistema tem a sua base na escravidão mais cedo ou mais tarde irá acontecer uma ruptura. Também temos o caso do álcool que teria extinto a Europa inteira. Bem, mas eu não sou douto no assunto para "argumentar" mais do que isto, não tenho o conhecimento para tal. Acredito que os "antigos" tivessem mais conhecimento do que se pensa, até porque acredito que quanto mais se regride no tempo mais próximos estamos do verdadeiro conhecimento que é o simples viver em harmonia com a Natureza, esse para mim é o verdadeiro conhecimento. Agora, já que estou a divagar aproveito para dizer uma coisa em que ingenuamente acredito.. Que existe uma linguagem mundial partilhada por todos os povos e que se perde quando aprendemos a "falar" a língua da nossa Pátria. Esse falar dos bebés é o mais próximo que existe da linguagem humana original. Simples e primária e entendida por todos os povos no mundo.

    Ab

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    1. Caro João tem aqui um exemplo de antiga ciência:
      Ancient Brew Masters Tapped Antibiotic Secrets
      ScienceDaily (Sep. 2, 2010) - A chemical analysis of the bones of ancient Nubians shows that they were regularly consuming tetracycline, most likely in their beer.
      The finding is the strongest evidence yet that the art of making antibiotics, which officially dates to the discovery of penicillin in 1928, was common practice nearly 2,000 years ago.
      Journal Reference: Mark L. Nelson, Andrew Dinardo, Jeffery Hochberg, George J. Armelagos. Brief communication: Mass spectroscopic characterization of tetracycline in the skeletal remains of an ancient population from Sudanese Nubia 350-550 CE.
      American Journal of Physical Anthropology, 2010; DOI: 10.1002/ajpa.21340

      essa do efeito do glútem ser conhecido na antiguidade não tenho provas mas basta-me saber que o consumo da quinoa foi punido com pena de morte aos índios pêlos castelhanos na América, obrigados a consumirem o tal glutem, a quinoa alimento dos deuses é o mais perto do leite materno e alimento dos astronautas. da medicina e cirurgia pré histórica tem para todos os gostos, que provam que há humanidade já alcançou níveis de conhecimento idênticos aos actuais pelo passado.

      Cumprimentos
      José Manuel

      P.S.
      Sempre existiram escravos, não é isso que faz a ascensão e queda de civilizações, a meu ver.

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    2. Olá caro José Manuel,

      Obrigado pela informação.
      Continuo a pensar que poderá ser uma situação casual e não propositada mas tudo bem, vivo bem com a possibilidade do enorme conhecimento cientifico na antiguidade. Até acredito que em alguns aspectos nos superavam, simplesmente tento manter alguma "sensatez" sobre o assunto.Sobre os escravos, ok é a sua opinião. A minha é que a escravidão tal como a histórica tem demonstrado foi parte dos alicerces para a ascensão e queda de impérios. Como muito bem o disse, escravos sempre existiram. Olhe hoje em dia a escravidão "paga" a suportar o império capitalista de Bruxelas.


      Ab

      JR

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    3. Olá, a propósito de fim de civilizações;
      https://www.msn.com/fr-ch/actualite/sciences/stephen-hawking-%C2%ABon-doit-quitter-la-plan%C3%A8te%C2%BB/ar-BBENo4T?li=BBqiMbH&ocid=mailsignout

      https://www.youtube.com/watch?v=GQXCs9ETIio

      Cumprimentos
      José Manuel

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  4. Sabia que já tinha tocado neste ponto algures... Foi neste comentário.

    ". Que existe uma linguagem mundial partilhada por todos os povos e que se perde quando aprendemos a "falar" a língua da nossa Pátria. Esse falar dos bebés é o mais próximo que existe da linguagem humana original. Simples e primária e entendida por todos os povos no mundo."

    Ao ler este artigo relembrou-me novamente este assunto.

    https://www.publico.pt/2017/10/16/ciencia/noticia/falar-a-bebe-e-uma-linguagem-universal-1788702

    Ab

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    1. Caro João,
      primeiro, deixe que lhe diga que não sei por que razão o seu comentário acima não teve nenhuma resposta minha. Provavelmente porque concordei, não me lembro! Neste caso demoro um pouco a responder, porque estive ocupado e fora do país.

      A notícia refere a semelhança do timbre, e nesse sentido não parece muito difícil concordar com o estudo, que evidencia algo bem conhecido, posto agora com chancela de estudo de investigação.
      Mas não é por ser evidente que merece menor crédito, pelo contrário, todos notamos que as pessoas mudam "naturalmente" o tom do discurso ao dirigir-se a bebés... e a máquina não faz mais que o óbvio detectando essa mudança. Mas também se aplica a alguns pares de namorados... quando falam à bebé uns com os outros - eh eh!
      Parece-me ser uma questão de sensibilidade e procura de empatia, haverá talvez pessoas agastadas, já incapazes de fazer uma mudança.

      Parece-me que o que dizia antes era um pouco mais profundo - indo mesmo à procura do significado original da linguagem.
      Nesse sentido, creio que já escrevi algures por aqui, que a linguagem é uma herança universal incorporada nos nossos "genes", mesmo que esses genes não sejam físicos. Não é o mesmo que ter um canto reproduzido em modo semelhante por pássaros, que é uma espécie de codificação de máquina (como se fosse um mesmo disco a ser cantado por um intérprete ou aparelhagem diferente). É muito mais profundo do que isso, porque vai bater no que restou de tudo, quando se reduziu ao seu mínimo invariante.

      Muitos usam a linguagem, mas poucos se apercebem de quanto nos define enquanto humanos. E nesse sentido tem razão "há uma raiz primária, comum a todos os povos", mas não é simples, eu diria que é o resultado de toda a complexificação.
      Vou ver se encontro o que escrevi sobre isto... porque acho que merece mais do que o espaço de comentário.
      Espero que depois perceba porque não acho que os bebés a tenham... porque só depois de aprender a falar é que esses "genes" se manifestam, e não creio que tenham nada de físico. Mas sim, vem de fora, é um presente externo... mas já tivemos uma discussão sobre algo muito parecido, que não correu muito bem, em parte por minha culpa.

      Abraços.

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  5. Caro Da Maia,

    Sim, o estudo não tem bem a ver com o que dizia no comentário anterior mas não deixa de estar relacionado, tanto que me fez lembrar que já lhe tinha dito algo sobre um assunto parecido.

    Por esta altura, acho que posso afirmar que mesmo que não entenda ou não concorde não há problema. Podemos sempre concordar em discordar, sem culpas de de nenhuma parte.

    Abraço,

    JR

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    1. Pois, caro João, tenho que ver se não me esqueço de escrever sobre isto!
      Obrigado.

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    2. Caro João,
      depois de reler o emaranhado que está aqui:
      https://alvor-silves.blogspot.pt/2014/05/arquitecturas-6.html
      era praticamente isso que queria dizer.
      Abç

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