Páginas

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Homem ciclo-voador

Já mencionámos como a Passarola de Bartolomeu Gusmão, o primeiro projecto de dirigível, acabou por ser silenciada na História. 
Exemplificaremos aqui como "progressos voadores", em particular as "bicicletas voadoras" acabam hoje em dia por ser também segredos... de Polichinelo!
Não é segredo que já houve vôos de "bicicletas" capazes de atravessar o Canal da Mancha, ou ir de Creta a Santorino (duas ilhas gregas).
No entanto essa informação não é suficientemente divulgada... pior, é ridicularizada, e assim vai-se passando a ideia oposta!

Nalguns vídeos sobre o princípio da aeronáutica é habitual mostrar uma tentativa de homens que tentam voar pedalando com asas... aparece como algo ridículo, mas o não é! O mais natural é que tenha sido com uma bicicleta com asas aerodinâmicas que se efectuou mesmo o primeiro "descolar"...

Acresce que com campanhas como esta:
... o que se pretende fazer é desacreditar a efectiva possibilidade de existirem aparelhos capazes de voar com  auto-propulsão humana. A recompensa do engodo é obtida pela muita ingestão de água com açúcar, que em vez de dar asas, tem como efeito pretendido justamente o oposto!

O desenvolvimento de aviões propulsionados por homens, tem um extenso resumo na Wikipedia:
onde se pode ver:
- D. Piggott - o primeiro vôo (reconhecido) ocorre em 1961... há mais de 50 anos!
- Bryan Allen - primeiro vôo pelo canal da Mancha, em 1979
- Em 1984 houve um ciclo-avião que até levou um passageiro...

Porém, o talvez mais notável é o vôo do Daedalus-88 entre as ilhas gregas, num total de 115Km, que ocorrerá em 1988, conforme podemos ver neste documentário (o vôo começa ao minuto 18:00 do vídeo):
The Light Stuff - documentário de Mark J. Davis - partes (1)(2)(3)
mostra o sucesso da aventura grega em 1988 do ciclo-avião Daedalus-88 

O ciclo-avião merece a atenção grega, sendo acompanhado no voo entre Creta e Santorini, por cobertura jornalística e até militar. Isto foi em 1988, há quase 25 anos... o Daedalus-88 detém ainda o recorde de voo.
A equipa do MIT que fez o Daedalus-88 era semi-oficial, essencialmente de estudantes, e desde essa altura, apesar do excepcional sucesso obtido, o projecto nunca foi continuado.
O muro de Berlim caiu, no ano seguinte ao voo... mas só serviu para mostrar que existia um Muro muito maior que vai prendendo o génio humano na garrafa.
Enquanto a
umas e outras invenções interessantes... silenciadas, aguardando o desbloqueio dos Deuses do Olimpo, que permitam a Dédalo ter asas para voar.

Nota adicional (01/05/2012):
Entretanto, surgiu esta interessante notícia sobre um avião solar: Solar Impulse
... um projecto da EPFL que tentará uma viagem de 2500Km (ver outros projectos: wikipedia).
No entanto, o objecto deste postal não era apresentar os muitos projectos de desenvolvimento.
O objectivo deste texto era apenas ilustrar como se iludem proezas já alcançadas dando mérito a iniciativas tacanhas (caso da BBC), ou ridicularizando o assunto (caso da RedBull).

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Conhecimento Perigoso

Um excelente documentário da BBC(4):

O título "Conhecimento Perigoso" parece exagerado no caminho que pretende levar - conhecimento que pode levar à insanidade mental, e acaba por mostrar que esse perigo resulta das pressões sociais devidas ao conhecimento, e não devido ao conhecimento em si.

O documentário segue essencialmente a crise dos fundamentos da Matemática, na transição do Séc. XIX para o Séc. XX, através de dois personagens principais: primeiro Cantor e depois Gödel. Há uma outra história complicada, envolvendo Hilbert (que é mencionado) e Brouwer, que também mereceria menção.

Procurando envolver-se mais na história dos personagens, o documentário acaba por evitar falar do que estava em causa nessa crise. Não é um assunto fácil para a esmagadora maioria da população, e por isso é natural que seja evitado.

Kronecker, indicado como um dos opositores de Cantor, terá dito: 
"Deus fez os números naturais, o resto é obra do homem"
Os números "naturais" são simplesmente 1, 2, 3, 4, 5, etc...
A noção de infinito aparece aqui naturalmente, já que as próprias crianças confrontam-se na brincadeira com a impossibilidade de encontrar o maior número... basta juntar um, e será sempre maior do que o anterior.
Cantor vai quebrar a intuição de infinito, afirmando que "há tantos números pares quanto números naturais"... Parece contraditório, desaparecem os números ímpares? Claro que não, e a afirmação aplica-se igualmente a números ímpares. A razão é simples, a qualquer número natural podemos fazer corresponder um número par, basta multiplicar por 2, e por isso há uma correspondência directa e a quantidade de uns e outros é igual.

Este é o primeiro infinito "dos números naturais", mas o notável será que Cantor mostra que há um outro infinito diferente deste. Mas para isso precisamos de falar em números racionais...

Os chamados números "racionais" nada mais são do que a divisão entre dois números naturais, ou seja, uma fracção. Como habitualmente usamos fracções decimais, habituámo-nos à sua forma enquanto números decimais.... E se duas casas decimais são usadas para representar os cêntimos, é óbvio que quando se exige maior exactidão são precisas mais casas decimais. Tal como não há fim para os números naturais, não há fim para o número de casas decimais...
Na prática bastam poucas casas decimais para ter grande precisão... mesmo nos cálculos modernos, raramente são precisas mais do que 10 casas, e mesmo aí já estamos a falar em medidas ao nível atómico.
Porém a matemática é uma ciência de pensamento, e a idealização não tem limites físicos.
Uma régua matemática é um contínuo de pontos idealizado, e não uma colagem de átomos.

Foi ao analisar o infinito dos números decimais que Cantor demonstra que é superior ao infinito dos números naturais. Ou seja, o infinito de pontos contínuos numa régua matemática é maior que o infinito da contagem... 
A Hipótese do Contínuo, que segundo o documentário teria levado à loucura de Cantor, seria demonstrar que entre estes dois infinitos não existiria mais nenhum outro tipo de infinito. 

É Gödel que dará o primeiro passo decisivo na resolução do problema, mostrando que, dado um número finito de axiomas, haveria afirmações sobre as quais não se poderia saber se eram verdadeiras ou falsas - indecidibilidade. Um dos casos de indecidibilidade era a Hipótese do Contínuo... Cantor estava a tentar provar algo que Gödel e Cohen vão demonstrar ser impossível de provar. A questão ficou assim arrumada há 50 anos atrás.

Maçonaria de Regra e Compasso
Cantor e Gödel deparam-se com um problema similar ao abordado por Pitágoras e Euclides, uns milénios antes. Começamos pela bem conhecida lenga-lenga
"o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos"
que é ilustrado sempre com muitos triângulos rectângulos... mas dificilmente veremos com este:
O Teorema de Pitágoras é mais geral, e não se aplica apenas ao triângulo em questão, já que os catetos não têm que ser iguais, e a hipotenusa nunca é representada como base do triângulo (usa-se um dos catetos).
Colocado desta forma explicita o caso da pirâmide... pois "Hipo" é prefixo para "baixo", logo a hipotenusa deve ilustrar-se na base. E como "katheto" significa "cair na perpendicular", nesta representação os dois lados caiem na perpendicular.
Desta forma a Hipotenusa surge ainda como uma diagonal de um quadrado (ou se quisermos desenterrar... de um  octaedro "enterrado", do qual se vislumbra apenas a pirâmide superior... isto para quem quiser sondar no deserto egípcio se não há afinal octaedros que são octo-manos das pirâmides).

O valor "raiz de 2" (ou similar) obtido na hipotenusa tinha uma particularidade que preocupou os pitagóricos... não se conseguia representar-se por nenhuma fracção. 
Esses números que não podem ser representados por fracções foram chamados "irracionais", já que não eram representáveis por uma razão (divisão). É consequência do trabalho de Cantor que há mais irracionais do que racionais... uns têm a potência do infinito contínuo, os outros do infinito contável. 
Mas já na antiguidade isto causou considerável perturbação!
Há até uma alegoria que conta que quem saía dos números pitagóricos "era atirado fora do barco". É numa proposição dos Elementos de Euclides, já muito depois, que aparece a prova "simples" de que seria impossível escrever "raiz de 2" como fracção. Havia uma limitação nas fracções, tal como Gödel veio milénios mais tarde a provar que havia uma limitação nas demonstrações axiomáticas.

Para além da limitação nas fracções, conhecida na antiguidade (aliás todo este conhecimento pitagórico  era já existente na Babilónia...) seguiu-se um problema milenar... a Quadratura do Círculo!
O número "raiz de 2" apesar de irracional, representava uma quantidade que poderia ser obtida de forma geométrica, usando um compasso. Haveria números que não pudessem ser obtidos dessa forma?
O problema foi colocado com o número Pi... exactamente na questão da Quadratura do Círculo.

A Quadratura do Círculo ilustra uma limitação na construção de quantidades, exigindo apenas régua e compasso, uma limitação clara da Geometria clássica.  
Régua e compasso que são símbolos bem conhecidos da maçonaria...
Geometria de Régua e Compasso

A letra G pode encarar-se como representante da Geometria, mas não será apenas isso... e daí derivou todo um folclore... que até levou à ideia sensual do "ponto G".

O problema da Quadratura do Circulo resistiu milénios... e só acabou resolvido no final do Séc. XIX, com os trabalhos de Hermite e Lindemann, que provaram justamente que Pi era um número "transcendente", e por consequência que não seria possível obter uma quantidade Pi usando apenas régua e compasso.

O que é engraçado é que o processo de demonstração não usou a Geometria, usou um outro ramo da Matemática - a Análise. Ao contrário da ideia que se dá no documentário, é a Análise que começa a lidar com a noção de infinito, e a substituir todas as limitações geométricas por processos de aproximação sucessiva. Esse progresso está directamente ligado a toda a inovação tecnológica. Teve como principais padrinhos Descartes e Newton, mas os pais são bem mais antigos.
Arquimedes usa métodos analíticos, mas a sua origem é habitualmente reportada a Eudoxo (Séc. IV a.C), pela técnica de exaustão, e foi só retomada 2000 anos depois. Há ainda um outro Eudoxo apontado como um dos primeiros a contornar África e a ensinar o fogo, conforme atesta Duarte Pacheco Pereira em 1506
dizem mais estes autores que Eudoxo fugindo das mãos del Rey Latiro da Alexandria navegou do mesmo Sino Arábico até Cadiz, & Pompónio Mela autor muito antigo natural de junto com Gibaltar isto mesmo afirma & diz mais no fim do seu terceiro livro de Sito orbis que este Eudoxo foi o primeiro que o fogo, e uso dele, trouxe aos povos bárbaros da Ethiopia aos quais até aquele tempo ignoto era & nesta sentença concordam alguns dos outros cosmografos. A qual navegação & pratica dela se tirou assim dos olhos de todos os antigos: de tal maneira se perdeu que por tempo de mil & quinhentos anos, ou mais, soube de todo esquecida.
 Portanto, muito para além das frustrações que o próprio conhecimento coloque aos cientistas, têm sido muito mais as maquinações que vitimaram a sua independência, personalidade e sanidade. Ideias antiquissimas só foram retomadas na Idade Moderna, com a muita tradução do material antigo que tinha sido esquecido/proibido. 


domingo, 15 de abril de 2012

Titan hic Titanic

O centenário do naufrágio do Titanic trouxe alguma informação interessante que desconhecia...

Há um conto de 1898 sobre um navio de nome Titan, considerado não-afundável, de dimensões idênticas às do Titanic, que haveria de colidir com um iceberg, também em Abril e pela meia-noite, à mesma velocidade, e onde também faltavam barcos salva-vidas (o Titan teria 24 para 3000 passageiros, e o Titanic levou 20 para 2235 passageiros). A maior diferença é que no conto do Titan não há praticamente sobreviventes.

Falamos do conto de 1898
O Naufrágio do Titan (Futility, The Wreck of the Titan)

de Morgan Robertson, que antecede em 13 ou 14 anos o desastre do Titanic, que ocorre em 1912.
Para não ser encarado de outra forma, tenta-se que seja visto como uma coincidência algo natural(*)... mas nunca o vemos referido nos inúmeros documentários e outro folclore que se construiu à volta desta história trágico-marítima do Titanic. 

Para quem conhece a história... algumas passagens logo no Cap. 1 soam claramente a antecipação:
She was the largest craft afloat (...) Two brass bands, two orchestras (...)
With nine compartments flooded the ship would still float, and so no known accident of the sea could possibly fill this many, the steamship Titan was considered practically unsinkable.
She was eight hundred feet long, of seventy thousand tons displacement, seventy-five thousand horse-power, and on her trial trip had steamed at a rate of twenty-five knots an hour over the bottom(...)
Unsinkable - indestructible, she carried as few boats as would satisfy the laws. These, twenty-four in number (...)
Morgan referia-se ao imaginado Titan, mas depois sabemos que o Titanic seria também o maior navio, com duas orquestras (que tocavam separadamente), acabou por afundar com 5 compartimentos (Morgan previa que o embate num iceberg afectasse apenas 3). Ambos foram considerados não-afundáveis, tinham mais 800 pés de comprimento, deslocavam perto de 70 mil toneladas, viajavam a 25 nós. Como já dissemos, sendo considerados não-afundáveis, levavam menos botes salva-vidas que o necessário.

Para uma lista de semelhanças mais detalhada, pode consultar-se a wikipedia, ou o texto do Prof. Flavio Cenni, devendo notar-se que às edições originais de 1898, seguiram-se edições posteriores... com a eventual suspeita de pequenas alterações para conjugar com o acidente. 
A notícia portuguesa (de onde parti) fala do "conto escrito em 1908" (ou seja 4 anos antes e não 14)... o que dá uma razoável diferença, e fica a dúvida...
Notícia do Titanic, que menciona o conto de antecipação de Morgan.
(retirado do blog delitodeopiniao.blogs.sapo.pt)

Houve um claro interesse posterior em vender o livro de Morgan, dadas as semelhanças com o naufrágio do Titanic... e como não parecem estar disponíveis versões de 1898, as que circulam com data posterior sofrem da suspeita de aproveitamento editorial subsequente.

De qualquer forma, é também interessante que Morgan Robertson tenha ainda feito um conto que fala de uma guerra com o Japão e um ataque a São Francisco (e não a Pearl Harbour), e que outros contos seus podem estar na origem das histórias da "Lagoa Azul" e de Tarzan. 
O nome de Morgan aparece ainda ligado à invenção dos periscópios... mas ele não terá antevisto que a entrada dos EUA na 1ª Guerra Mundial seria motivada pela acção de um submarino alemão, que levou ao afundamento de um outro navio, o Lusitania, em 1915, com um número de baixas quase semelhante ao do Titanic... na realidade Morgan morre dois meses antes disso acontecer.

Titan - hic (aqui)... quando hoje, 15 de Abril de 2012, Saturno, não o líder dos Titãs, mas sim o planeta, está em oposição ao Sol. Na efeméride, vista de Saturno, a Terra estará em conjunção com o Sol... dificilmente seria mesmo um ponto em trânsito no disco solar, pois o Sol visto dos planetas exteriores é praticamente uma estrela suprabrilhante (ver "pôr-do-sol marciano").



(*) Nota: Para efeitos de coincidência é deveras notável...
Conhecemos algum conto que tivesse encenado (antes de ocorrer) a queda de um Cessna a caminho do Porto com a morte de um primeiro-ministro? Ou um outro conto que tivesse previsto a queda de um avião presidencial polaco a caminho de uma homenagem a oficiais polacos mortos na 2ª Guerra Mundial? Ou um conto que tivesse sugerido que um presidente americano haveria de ser alvejado num desfile em Dallas?
- Eu não conheço... e se existissem, deveriam ser também vistos como naturais coincidências, como um instinto fatal?


quinta-feira, 12 de abril de 2012

Trânsito de Vénus

Tem sido habitualmente especulado sobre alinhamentos em 2012, em particular em 21 de Dezembro de 2012... porém convém notar que nada de notável está previsto para essa data.
Acontecem alguns alinhamentos interessantes em 2012, sim, mas antes de Dezembro...
A mais notável efeméride será o trânsito de Vénus (pelo Sol), que ocorrerá em 6/6/12... já que só se voltará a repetir no próximo século, em 2117 e 2125.

Independentemente de se acreditar ou não que os alinhamentos planetários têm alguma influência física, eles tiveram e têm uma influência humana, no sentido em que houve e há quem altere o seu comportamento devido a eles. A astronomia teve sempre uma componente astrológica desde o momento em que alguém associou uma efeméride planetária a um acontecimento humano. 

Na pseudo-mitologia para o ano 2012 está um propalado início do calendário Maia. 
Só se começou a falar disso depois de passar a previsão apocalíptica de 2000... ainda que uma eventual Odisseia espacial de 2001, pode ter ocorrido como pseudo-Ilíada de 2001 sobre as Torraltas. 
As Torres Altas de Tróia, as duas Torraltas de Tróia, ou que duas torres altas?
lol ... havendo desde 2001 quem veja neste símbolo lots-of-laughs.

Calendário Chinês
Um outro calendário antigo é o chinês, cuja origem tem sido fonte de especulação e dúvida. Supõe-se que teria tido início num antigo alinhamento notável dos 5 planetas visíveis, juntamente com Sol e Lua. 
Em 1993 dois astrónomos do JPL-NASA, K. Pang e J. Bangert sugeriram que isso pode ter acontecido em 1953 a.C., o que dá um 3965 anos passados, ainda assim diferente do valor actual 4709 anos lunares, se atendermos a que isso corresponderia a ~ 4564 anos solares, ou seja uma diferença superior a 500 anos para essa hipótese. No entanto, K. Pang encontrou uma passagem num texto antigo de Hong Fan Zhuan (Séc. I a. C), que dizia:  
"The Ancient Zhuanxu calendar (invented in about 2000 B.C.) began at dawn, in the beginning of spring, when the sun, new moon and five planets gathered in the constellation Yingshi (Pegasus.)"  
Por isso, há alguma sustentação nessa hipótese de início do calendário por alinhamento na constelação de Pegasus ou Peixes, numa madrugada equinocial por volta de 2000 a.C. De qualquer forma, os cálculos usados hoje são sempre especulativos, até pela falta de informação sobre a inclinação do eixo da Terra, ou pela simples admissão de que nada teria mudado em 4000 anos.

É importante notar ainda que os chineses chamariam ao velho calendário lunar Yin, enquanto o calendário solar seria o Yang, na célebre dualidade oriental Yin/Yang (aqui Lua/Sol) expressa no símbolo


Trânsito de Vénus
Os trânsitos de Vénus pelo Sol foram importantes para definir as distâncias planetárias, mas também tiveram o seu papel de astrologia política... para isso basta notar que em 1769 é justamente Cook que irá ao Taiti fazer as medições astronómicas.
Independentemente do significado astronómico, há aqui um significado político, sendo Cook a regressar ao Pacífico "nunca antes navegado" para marcar o evento à escala planetária.

A última vez que o trânsito ocorreu foi em 8/6/2004... antes disto tinha sido em 1769 e no Séc. XIX (9/12/1874 e 6/12/1882), e depois de 2012 só voltará a ocorrer no Séc. XXII (11/12/2117 e 8/12/2125). Não ocorreu nenhuma vez durante o Séc. XX. [Consultar a lista com os trânsitos de Vénus previstos pela NASA]

Em 2012 de novo Vénus irá aparecer como um pequeno ponto negro à frente do Sol, visível ao nascer do Sol nesse dia, na zona do Pacífico. Esta passagem demora 6 horas, sendo visível onde ocorrer o pôr/nascer do Sol, entre as 22h da noite e 4h da manhã - no caso de Portugal não será visível!
Agora, em Abril, ainda é possível ver Vénus bem alto no céu, ao pôr do Sol, mas rapidamente irá descer e aproximar-se do Sol poente, nesse dia 6/6/12 passará de estrela da tarde (Hesper) a estrela da manhã (Lucifer, Phosphorus), como acontece periodicamente, com a única diferença que desta vez passa mesmo em frente do Sol nesse percurso - o chamado trânsito.

Segunda Lua - Cruithne
É dito que os "antigos" teriam visto Vénus como uma segunda Lua, pela intensidade do seu brilho, que resulta de ser o corpo celeste de grandes dimensões que mais se aproxima da Terra, excluindo a Lua.
Já Julio Verne (no livro "Da Terra à Lua") conjecturava sobre a existência de uma "pequena segunda Lua":

"Is it possible!" exclaimed Michel Ardan; "the Earth then has two moons like Neptune?"
"Yes, my friends, two moons, though it passes generally for having only one; but this second moon is so small, and its speed so great, that the inhabitants of the Earth cannot see it."

Recentemente foram descobertos pequenos corpos que podem ser vistos como "segundas Luas" da Terra, sendo muito pequenos. Um deles é o Asteróide 3753-Cruithne (de 5 km de diâmetro)

que apesar de não orbitar à volta da Terra, acaba por fazê-lo de forma aparente. Por outro lado, em 2010 descobriu-se um asteróide ainda mais pequeno (300 metros) 2010-TK7 que partilha a mesma órbita terrestre, numa posição que lhe permite não ser atraído nem pela Terra nem pelo Sol. É chamado asteróide-troiano, já que se encontra dissimuladamente na mesma zona orbital, num ponto lagrangiano. Estas zonas orbitais - pontos lagrangianos - podem ser usadas como entradas em "auto-estradas planetárias".

Julio Verne pensava noutro tipo de segunda Lua, mas estes objectos servem para analogia da sua "antecipação". Convém notar que não seria completamente impossível haver uma segunda Lua escondida à visão da Terra... bastaria que estivesse ocultada atrás da primeira, seguindo a mesma órbita a distância quase fixa - e para efeitos de ocultação visual, até poderia ser uma segunda Terra! Mecanicamente não seria impossível ter um conjunto de três corpos sincronizados... até no sentido em que a Lua seria o seu centro de massa! Essa hipótese só seria afastada pelas medições exactas da distância da Terra ao Sol, mas daria certamente para interessantes obras de ficção científica... não exactamente no sentido de universos paralelos, como está actualmente na moda (ver p. ex. o filme Another Earth), mas mais no sentido de universos colonizados...

Venus Express e Hubble
Já aqui tinha feito referência à inexplicável ausência de imagens espaciais de Vénus... afinal o planeta mais próximo é aquele de que temos menos imagens (pelo menos dos 5 visíveis a olho nú)!
A Venus Express, sonda da ESA (Agência Espacial Europeia), acabou por revelar algumas imagens melhores, mas ainda assim pouco diferentes das obtidas pelo telescópio Hubble:
 

Vénus: Imagem da ESA (esq.) e Imagem do Hubble (dir.)
... as cores são "falsas" pois são na zona ultravioleta...
... parece ser complicado tirar fotos normais....

São ainda curiosas as imagens de Marte vindas do Hubble, por exemplo:

diz-se que a imagem pode ir do infra-vermelho ao ultra-violeta... ou seja pode ser, ou é, uma imagem obtida com cores reais. Sobre o significado dessas cores azuladas e das nuvens, é interessante ler esta descrição. e ver a imagem da Viking. Na linha menos colorida surgiram outras imagens, com mais definição, mas talvez mais confusão... que vão desviando o olhar dos nossos telescópios.


Outras efemérides em 2012
A configuração aqui mencionada de conjunção entre Vénus, Júpiter e a Lua, irá ser semelhante, mas pela manhã, neste Verão. Vénus irá aproximar-se de novo de Júpiter, que se antecipará... de estrela à tarde, passará a estrela da manhã na transição do dia 13 de Maio de 2012. Ambas serão estrelas da manhã depois do dia 6 de Junho, e em 18 de Junho teremos pela manhã uma lua minguante, seguida de Vénus e Júpiter, um pouco mais acima do horizonte. De forma igualmente interessante será o aspecto da manhã, um mês depois, por volta de 15 de Julho, ou mesmo depois, por volta de 13 de Agosto.

(Não serão visíveis em Portugal: o eclipse anular do Sol a 20 de Maio, o eclipse total do Sol a 13 de Novembro, e o eclipse parcial da Lua a 4 de Junho).

Mais notável será a conjunção (de 1 grau apenas) entre Saturno e Vénus, que ocorre a 27 Novembro, ao mesmo tempo que um eclipse lunar de penumbra será visível no dia seguinte (mesmo na Europa).
A conjunção próxima de dois planetas já foi usada como explicação para a Estrela de Belém, associando a uma conjunção de Júpiter e Saturno no ano 7 a.C. que esteve a 1 grau de distância.
Nesse aspecto, como Vénus é mais brilhante que Jupiter, a prevista para 27 de Novembro de 2012 será mais notável, até porque a Lua também participa ficando sob a penumbra terrestre no dia seguinte.

Estes são os últimos registos de efemérides previstas para 2012 e nenhuma tem o aspecto de "conjunção extraordinária". Curiosamente a data de 21 de Dezembro, mas de 2020... essa sim aparece com uma conjunção notável de Jupiter e Saturno, que ficarão quase como estrela-dupla, separados por apenas um décimo de grau.

Tudo o resto sobre 2012, mais do que astrologia, faz muito parte do folclore financeiro, que vende produtos, vende sonhos, oculta o que importa, e divulga as necessárias distracções para desviar atenções.
Apocalipse significará "revelação"... e isso sim contribuiria para uma mudança de mentalidades - a única revolução que interessaria... recolocar o homem no seu devido lugar, no seu papel único de inteligência, em relação de honestidade e verdade com os seus semelhantes.
Porém, ao contrário, o que vamos vendo é uma reposição do homem nos seus instintos mais primários de índole animal, na linha da selecção natural... sobreviver ou usar a inteligência para se tornar num animal superior (o melhor da vizinhança) ou numa espécie superior (pertence a uma elite)!
Esse é um caminho sem destino e sem fim... conforme já referi, para além da inteligência, há apenas inteligência. Só a farsa alimenta uma ilusão evolutiva, com níveis, classes ou castas... e mesmo os mais crentes parecem esquecer o detalhe da criação - fomos feitos à imagem de Deus - e certamente isso não se referia ao aspecto físico!... Tudo o resto é uma questão de tempo, e equilíbrio... só teme a morte quem não pensou nos detalhes pouco simpáticos da eternidade. Por isso, Saturno pode ter cedido de bom grado o papel divinal ao filho Júpiter, e ter decidido viver com os humanos no Lácio... mas é ele enquanto Cronos que define a linha temporal - um simples corte de Úrano.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Trago, Sol e Lua

Para além dos subsídios ao vinho do Porto por Methuen, convirá não esquecer o vinho de Colares.

No plano de fabricar o que falecia a Lisboa, Francisco de Holanda, em 1571, vai lembrar-se de juntar um projecto nos arredores de Lisboa... na foz do Rio Colares, ou seja na Praia das Maçãs, perto do Cabo da Roca. Eis o que Francisco de Holanda propõe a D. Sebastião:
--------------------------------
DOS CIPOS DO SOL E LUA
Outra memória de basas digna de lembrar e de imitar dos fiéis, faziam os antigos e infiéis, como eu vi, quando me o Infante Dom Luis, vosso tio, que Deus tem, levou a mostrar a Serra de Syntra, mandando-me para isso chamar a Lysboa, quando vim de Italia. E vimos na foz do rio de Colares, prezada noutro tempo dos romanos, sobre um pequeno outeiro junto ao mar Oceano, um círculo ao redor cheio de cipos e memórias dos imperadores de Roma que vieram aquele lugar; e cada um punha um cipo com seu letreiro ao 
SOL ETERNO E A LVA (*)
a quem aquele promontório foi dos gentios dedicado. 
O que nós espiritualmente podemos converter nos cipos ou embasamentos dos pés das cruzes que digo, em louvor e memória do verdadeiro SOL de justiça IESV CHRISTO, e da verdadeira e sempre cheia da sua graça S. MARIA N. SÑORA como se pode considerar deste desenho.
--------------------------------

O desenho de Holanda é o que coloquei em cima (à esquerda), e está de tal forma informativo que não me restam dúvidas sobre a localização do antigo templo dedicado ao Sol e à Lua, pelo que coloquei uma imagem do Google Earth da Praia das Maçãs (à direita), onde se vê o referido outeiro... felizmente está ainda incólume, alguém parece ter tido o cuidado de resistir à profanação do lugar, já que a sua localização era demasiado tentadora para um empreendimento hoteleiro ou turístico.

Para se compreender a importância do local, uso o Vocabulário Português de Raphael Bluteau (1720):
--------------------------------------------
Serra de Sintra. Segundo Dom Fr. Amador Arraiz, nos seus Diálogos, pág. 111 col. 2, chamou Varro à Serra de Sintra o Monte Trago, outros lhe chamaram o Monte Scynthia, ou mais propriamente Cinthia, isto é da Lua, donde sai o Cabo chamado da Lua (em Latim, Promontorium Lunae)  para o Oceano; nas raízes deste Cabo, na praia, esteve antigamente o Templo do Sol e da Lua, venerado com suma religião.
A inscrição do templo, que (segundo o dito autor) ainda hoje se vê, diz assim:
Soli aeterno & Lunae
Pro aeternitate Imperii,
Et salute Imp. Cai. Septimii Severi Augusti Pii & 
Imp. Caes. M. Aurelis Antonini, &c.
---------------------------------------------------------------------

Portanto, entre os imperadores que estiveram em culto na praia do Monte Trago ou Cynthia, contavam-se Sétimo Severo e Marco Aurélio.
As pedras estiveram lá e foram vistas por Francisco Holanda antes de 1571 e por Frei Amador Arrais antes de 1589. Não é claro se ainda eram visíveis ou não quando escreve Bluteau... e se resistiram ao período filipino, talvez não tenham resistido depois ao maremoto do Marquês. Hoje é suposto terem desaparecido sem rasto, ainda que seja mais ou menos óbvio que haverá quem saiba o que lhes aconteceu!

A proposta de Holanda era a de uma conversão forçada ao Cristianismo... a fonte de luz, o Sol, era Jesus Cristo, e a Lua passaria a ser Santa Maria. Não haveria uma destruição do espaço, mas sim uma adaptação conveniente. No entanto, o original tem algo a acrescentar...

Cynthia é um nome alternativo de Artemisa, ou Diana, a deusa da caça... associada à Lua.
Poderíamos ficar por aqui, estabelecendo a derivação do nome do monte... de Cynthia em Cintra.
Porém, a lenda é um pouco mais interessante e sem esforço presta-se a um ajustamento.

O nome alternativo resulta ele próprio de um monte... do monte Cyntho refúgio onde Leto, deusa-titã associada ao anoitecer, escapou de Hera e da Python para gerar os gémeos Apolo e Artemisa.
Se atendermos a que o anoitecer é o poente... o ocidente, e no monte de refúgio nascem o Sol (Apolo) e a Lua (Artemisa)... não vejo então outra possibilidade que não seja Sintra!
Compreende-se assim que Plínio fale no Cabo da Roca como linha divisória entre a terra, o mar e os céus.
Quanto à terra e mar, não havia grandes questões, mas os céus só faz sentido associando-lhe o nascimento dos principais astros... o Sol-Apolo e a Lua-Artemisa. Ambos os gémeos ficam do lado de Tróia...

Leto não é uma deusa fácil... os rudes camponeses da Lycia (ver crux com Lusia... lusitanos) talvez importunados por serem arrastados para um conflito dela com Hera, negam-lhe água e por isso são transformados em sapos...
Leto (ou Latona) e os camponeses da Lycia.

Não consta aplicar-se aqui a quebra do feitiço com um beijo principesco, e talvez a Roca de Sintra simbolize afinal um adormecimento do reino, que ficou à espera do beijo do Princípe Encantado. Acresce a isso o próprio nome Leto estar associado a Lethes... o esquecimento!

Independentemente disso, é bastante verosímel que Marco Aurélio, entre outros imperadores, tenha honrado o local onde a deusa do entardecer, Leto, teria feito nascer os seus filhos Sol e Lua... um santuário num pequeno outeiro da praia das Maçãs, e o fruto pode indicar implicitamente que antes desses imperadores, terá sido Hércules um seu visitante, em busca dos pomos de ouro!
Para não meter a mão na massa bolonhesa, seguimos a laranja e omitimos o tomate, em italiano pomodoro.