segunda-feira, 19 de setembro de 2016

A banca abanca no virtual

Na semana passada, em vários jornais destinados a educar as massas, surgiu esta notícia:


Ora, a novidade aqui é apenas a fonte de divulgação - o Bank of America / Merryl Lynch.
E logo vieram as referências ao filme Matrix, etc.

Dizer que há 50% de probabilidade, ou não dizer nada, sobre o que não se sabe, é praticamente a mesma coisa. Afinal também há 50% de probabilidade de adivinharmos se sai "cara ou coroa", e não é por isso que sabemos qual a face que irá sair. Pode-se dizer que há 50% de uma coisa, ou do seu oposto, para dizer que não se sabe se é uma coisa ou outra.
No entanto, dito desta forma, só serve a confusão, como é habitual.

Doutra forma só serviria para atestar o nível de águas rasteiras por onde anda o pensamento moderno, e a notícia só não encalhou no disparate completo, porque alguém mais avisado acrescentou que "mesmo que vivêssemos numa simulação, não o saberíamos".
No entanto, isso não foi dito da forma mais peremptória - que é o esclarecimento do que se entende por "realidade". Porque levantar a questão de podermos viver num mundo virtual só faria sentido depois de esclarecer o que é a realidade.

Não vou entrar aqui em muitos detalhes sobre isto, porque já o escrevi várias vezes.
Convém apenas lembrar algumas coisas...
A partir do momento em que foi popularizado o CD áudio ficou clara uma coisa:
- a capacidade sensorial auditiva para distinguir sons reproduzidos digital ou analogicamente era muito pequena, para não dizer inexistente.
O mesmo problema foi ficando claro com a informação visual, com as fotografias digitais, ou com os filmes armazenados digitalmente.
Daí até à questão da "realidade virtual" é um passo não muito grande, atendendo a que cobrindo a audição e a visão (que são os nossos sentidos mais apurados), restaria cuidar de outros nervos sensoriais - como o tacto, o olfacto, ou o paladar. Portanto, não é difícil concluir que a informação que chega ao cérebro é muito limitada, e pode ser armazenada digitalmente, o que poderá em breve viabilizar uma (quase) completa simulação de realidade alternativa... se quiserem abrir essa Caixa de Pandora.

Duke Dumont - I got U (um vídeo com exemplo de realidade virtual)

Ora, supondo que o sujeito está envolvido num dispositivo de realidade virtual do qual não se consegue livrar, só acordará dessa realidade com ajuda exterior... vinda da outra realidade.
É claro que se a simulação chegasse ao fim, ou a alguma inconsistência flagrante, ele aperceber-se-ia de que se passava algo de errado... esse aspecto é por exemplo abordado no filme Vanilla Sky.



No caso do filme Matrix a passagem para a realidade é definida pela escolha entre a pílula azul e vermelha, e não foi propriamente resultado de uma reflexão de Neo, concluindo acerca das inconsistências da simulação que lhe era apresentada... foi apenas sugestão externa.
Ora, como suposta sugestão externa, a nova realidade para a qual Neo acordou, não se distingue propriamente da anterior.... e talvez o aspecto mais significativo, e que merecia uma "sequela", é Neo não se questionar sobre a realidade que lhe foi dada pela pílula. Ou seja, de que forma é que essa pílula não o teria levado para uma ilusão de protagonismo, e para uma realidade que preferiu aceitar?

Portanto, uma sequela interessante de Matrix seria colocar Neo a concluir que todas aquelas proezas não faziam sentido, e que tinha sido a própria Matrix a definir-lhe uma escolha para se colocar fora dela, e que o Oráculo e todos os restantes personagens faziam parte desse plano da Matrix.
Mas, nem é preciso isso... basta-nos notar que Neo não se apercebe que é um personagem de um filme, e que o seu sucesso na luta contra a Matrix não resulta mais do que uma orquestração de uma Máquina que é a indústria cinematográfica, onde os heróis são acarinhados.
Um outro exemplo, igualmente bom, que ilustra esse espectáculo é dado no filme "Truman Show".

Assim, tal como no velho caso do "ovo e da galinha", o problema de averiguar uma realidade é que precisa de uma outra... e se Neo teve ajuda para se colocar fora da Matrix, ninguém o ajudou a sair dessa outra realidade para a qual acordou, ou seja, os autores do filme não o fizeram descobrir que era apenas um personagem, um herói, e que só isso lhe dava poderes tão fantásticos. Talvez porque os autores do filme também precisassem de ajuda para perceber afinal se estavam numa realidade virtual ou não... e o filme não será outra coisa que não seja um plasmar dessa interrogação.

Da mesma forma, a banca que se abanca com a manipulação de uma realidade virtual, mantendo a população num cenário tão bem construído, também terá as suas interrogações de saber afinal se não estará ela própria a ser idealizada por outros construtores de cenários, numa realidade acima de si.
E o problema que lhe dizem é que mesmo que descobrisse que sim, isso não garantiria que a nova realidade descoberta, não seria ela própria apenas uma ilusão num nível superior.

E parece que as coisas não têm resposta, presos nesta teia de ser preciso estar sempre num nível superior, para poder distinguir a realidade e a ilusão no nível inferior. Só que não é bem assim... conforme temos vindo a dizer. Há mesmo coisas que é possível saber, sem qualquer dúvida. Agora, que outros não saibam ou não percebam, pois isso é um problema que me escapa, e que não me diz respeito directamente... só diria respeito indirectamente, pela influência global.
Porém, e ainda relacionado com a evidente possibilidade de simulação computacional da informação que nos chega pelos nossos sentidos, deveriam pelo menos colocar a questão óbvia... é que nem sequer por via da informação sensorial poderíamos ter noção de infinito, e quanto ao resto - já fiz o que tinha a fazer para passar a mensagem.


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