sexta-feira, 31 de maio de 2013

S. Francisco Xavier e a Austrália

Já há bastante tempo reparei numa gravura alusiva a São Francisco Xavier (1506-1552), que está disponível no site da Biblioteca Nacional de Portugal, com a seguinte menção:
  • Estampa alegórica à viagem de S. Francisco Xavier à Ásia Oriental, Japão e Índia
  • gravura : água-forte e buril, p&b.      [16--] Data baseada em características formais
Aparece ainda catalogada no ano de 1575, e seria uma data natural, pelo desenho do mapa, razoavelmente grosseiro na representação do Japão, mas se olharmos para a gravura percebemos qual o problema:

Estampa de S. Francisco Xavier com a Austrália (ver original BNP)

O problema, está claro, é o muito bom desenho da Austrália.
De resto, à excepção australiana, o mapa do hemisfério português seria semelhante em vários aspectos, ou até pior, que o Theatrum Mundi de Lavanha (1597-1612)

Não é claro que a Estampa de S. Francisco Xavier seja anterior ao mapa de Lavanha - não há nenhuma indicação objectiva nesse sentido. Poderia ser de 1575, época de D. Sebastião, escapando aos olhares censores?
De qualquer forma, a estampa parece ser, inequivocamente, pelo menos do Séc. XVII, pelo que a atribuição feita na BNP ao colocar [16--] parece prudentemente correcta. 
Mesmo assim, tem uma excelente representação da Austrália, numa altura em que só aos Holandeses estava permitida essa exploração, e é claro muito antes da chegada de Cook, em 1770.

Na BNP há ainda uma outra gravura, posterior, que ilustra também S. Francisco Xavier. Só o nome do gravador - Pietro da Cortona (1597-1669), não está rasgado, o que implica uma datação estimada 1625-1665, pelo período de actividade. A outra gravura parece-nos bastante anterior a esta.

Inicialmente a evangelização do Japão teve um sucesso muito impressionante, especialmente na zona de Nagasaki, a que se seguiu uma forte perseguição, entre 1597-1637.
Encontrei num livro (c. 1800), uma compilação de ilustrações, algumas das quais mostram execuções aplicadas aos missionários jesuítas (à direita são as dos padres Benedito Fernandes, João da Costa, António de Sousa e Sebastião Vieira), em Nagasaki, em 1633-34:

A comunidade católica do Japão, que contaria já com centenas de milhares de aderentes, viu-se subitamente reprimida com uma violência brutal. Os "cristãos escondidos", Kakure Kirishitan, permaneceram dois séculos completamente na obscuridade, vivendo sobre ameaça e perseguição letal do xogunato (ver livro Silêncio de S.Endo). 
Onde se concentravam esses cristãos? 
- Especialmente, em Nagasaki, no bairro Urakami. 
Com a reabertura japonesa, houve tolerância religiosa, tendo sido construída a Catedral de Urakami, local que foi o "ground zero" da explosão da bomba atómica.
A bomba atómica de Nagasaki caiu a 500 metros da catedral de Urakami.

Pontaria simbólica?
Quando olhamos o percurso dos jesuítas, percebemos a sua missão de evangelização e vemos resultados. Percorreram o mundo tentando converter as populações. Podiam ser usados pelas potências católicas, mas parece-nos que a sua abordagem individual foi essencialmente pacífica, focando em convencer e não em vencer. 
Só que com a Guerra dos Trinta Anos (1618-48) o mundo católico entrou em guerra com o mundo protestante (ou melhor, com a implementação judaico-maçónica de um cristianismo alternativo). Os Holandeses eram uma seta apontada aos destinos portugueses na Ásia, fossem eles o Japão ou a Austrália.
O protestantismo nunca conseguiu, nem tentou, nenhuma evangelização sem ser pela efectiva colonização, se venciam, não convenciam. Os holandeses estavam numa guerra comercial e política, onde a fé era outra, e manifestava-se pelo aspecto comercial. Assim, denunciavam os jesuítas aos japoneses, procurando incutir que apenas o lado católico lhes seria maléfico.
Quando a bomba atómica cai em Urakami, não é uma queda qualquer.
Foi atingida a comunidade católica que tinha resistido submersa a um sofrimento de vários séculos.
Por isso, quando alguns falam em símbolos de holocausto da 2ª Guerra Mundial... é preciso ver quem fala e do que fala, e por vezes é melhor calar, porque se houve inocentes nesta história foram as vítimas. 
Vítimas de obstinações filosóficas/religiosas que duram há milénios.

Nota posterior: (09/07/2018)______________
Quanto a esta representação australiana, a ilustração faz capa interna de uma obra aparecida em 1710, de Francisco Sousa:

  • SOUSA, Francisco de, S.J. 1649-1712, Oriente conquistado a Jesu Christo pelos Padres da Companhia de Jesus da Provincia de Goa... / Ordenada pelo P. Francisco de Sousa Religioso da mesma Companhia de Jesus. - Lisboa : na Officina de Valentim da Costa Deslandes, Impressor de Sua Magestade, 1710

Isto não impediria que a figura não existisse antes, e fosse aqui reutilizada. De qualquer forma isso não me parece provável. A ilustração será c. 1710, e portanto tem a particularidade notável de fazer constar a parte correcta da Austrália, mas pouco mais que isso.

domingo, 19 de maio de 2013

Linhas Velhas de Torres

- "Estás aborrecido?... Vai para Torres!"
Esta era uma frase que ouvia, de vez em vez, à minha avó. A referência era de Torres Vedras, disso não tenho dúvidas... e se lhe perguntei porquê, tenho dúvidas se a resposta remetia ao Carnaval.

Vamos então a Torres Vedras, onde "vedras" significa "velhas", onde estão essas Torres Velhas?
Não muito longe fica Torres Novas... cujo castelo foi conquistado por D.Afonso Henriques.
Para termos uma noção da toponímia, mesmo estas "torres novas" não seriam assim tão novas, e o termo arcaico "vedras" remete o velho mesmo para uma altura em que a palavra "vedras" tinha uso. 

Há uns anos não ligaria ao assunto, porém depois de ver os pretextos do Marquês de Pombal em arrasar com a Torre Pentagonal de Hércules, de Coimbra, e o desaparecimento quase simultâneo das Torres de Hércules em Cadiz, dá para perceber que poderia haver uma agenda para terminar com torres antigas...

As Linhas de Torres e o Forte do Zambujal
Já sabemos como são estas coisas... invasões napoleónicas, os ingleses vêm-nos ajudar, e para isso as velhas construções seriam facilmente reutilizáveis em coisas úteis em tempo de guerra, como sejam:

As Linhas de Torres eram suposto fornecer muralhas defensivas que se estenderiam, do Tejo ao Atlântico, para proteger o avanço das tropas napoleónicas...
Surpreendentemente não restou muito/nada dessa grande obra de engenharia militar. Notou-se aliás nas comemorações dos 200 anos que não pareciam encontrar grandes muralhas que honrassem tal obra, nomeada uma grande obra de engenharia militar do Séc. XIX.

Um dos sítios que foi escolhido para as comemorações foi o Forte do Zambujal

Será este Forte do Zambujal um dos melhores vestígios das famosas Linhas de Torres?

O Castro do Zambujal
Mudamos de assunto... aparentemente!
Por vezes alguns arqueólogos fazem algo estranho... encontrar vestígios de coisas antigas em Portugal, mas digamos mesmo antigas, do fim do Neolitico.
Basicamente entre as Torres Vedras e as Torres Novas, foram dar com o Castro do Zambujal.


Talvez se o Castro do Zambujal estivesse no meio das Linhas de Torres, como estava o Forte do Zambujal, houvesse também comemorações... com uma diferença até 5000 anos entre a engenharia inglesa e a rústica engenharia dos povos do Neolítico - ainda que não se note muito qual é mais recente!

Para não estar com mais rodeios... não é de excluir que as "Linhas de Torres", de Wellington, pouco mais foram do que um projecto de reconversão de extensas muralhas e torres "vedras", aproveitadas com algum propósito militar que se justificaria, é claro, mas muito mais com um propósito de fazer esquecer as antigas.
Aliás se houve alguma significativa construção militar dirigida pelos ingleses, parece não ter restado vestígio... pelo que o propósito pode ter sido mais o de retirar pedras do que colocá-las.

É de ficar aborrecido? É ir para Torres... 

Antas, Zambujices e Mouras
Bom, mas a história não acaba no Zambujal de Wellington, porque o outro Zambujal, mais ao lado, já foi suficiente para toda uma nova teoria acerca do final do Neolítico, inicio do Calcolítico.
Há quem considere que toda aquela zona foi afinal o centro de produção da cerâmica campaniforme.
Esta cerâmica de vasos campaniformes está na origem de uma "moda" que se propagou durante milénios pela Europa Ocidental.
Vasos Campaniformes - Portugal, Espanha (2), Boémia (2), Inglaterra. (daqui)

Vários investigadores argumentam que toda essa cultura seria originária de onde?
- da zona do Castro do Zambujal (Vila Nova de S. Pedro, Azambuja)
- ou seja, da zona de Torres Vedras!

Um texto elucidativo é o de Olivier Lemercier (2006)
e estes seus mapas explicam bem como se considera agora que se propagou a exportação da cultura:

 

Ou seja, houve um processo marítimo de expansão... e podemos bem perceber como entrou até às zonas boémias, e talvez mesmo até à Galécia polaca/ucraniana. Este mapa pode ainda ser confrontado com os mapas genéticos que têm a disseminação do Haplogrupo R1b.

Colocar o centro da cultura campaniforme no Zambujal, na Estremadura, na zona de Torres?
- Alguém ficará aborrecido?
Há quem argumente o contrário, mas o problema é que as cerâmicas portuguesas chegam a ser mil anos mais antigas que as restantes europeias, indo para além de 3000 a.C. Pode aborrecer?...

Há vários nomes Zambujal, Zambujeiro, etc... que devem remontar a registos de épocas tão "vedras" quanto 3000 a.C. 
Há ainda outros nomes que remetem para coisas mais antigas - as Antas, escondidas em muitos St. Antão.
Como o nome indica, as Antas estão muito associadas aos monumentos megalíticos - dolméns, menires, habitualmente reportados à cultura celta, mas que seriam tão ou mais antigos do que este registo dos Zambujais!

Há ainda outros nomes, igualmente perdidos em antiguidades pré-históricas, associados a Mouros/Mouras.
São depois disfarçados em "Lendas de Mouras", mas não dizem respeito necessariamente às invasões árabes. O problema é que o povo Mauro/Mouro tanto habitava este lado da Península, como o lado africano, fazendo o salto das Colunas de Hércules. Chegou a haver uma Grande Mauritânia, que se estendia da Península pelo Norte de África... e nada tinha a ver com os mouros que depois nos vieram "visitar" de novo. Esses parece que, comparativamente, poucos estragos fizeram... mas da sua presença dificilmente encontramos uma mesquita de pé em território nacional - por cá sempre houve quem cuidasse em fazer desaparecer a história!

Como encaixa tudo isto?
Para encaixar isto, é preciso responder a uma questão simplesmente complicada!
Como saltamos dos artistas das pinturas rupestres de 30 000 a.C. para estes novos artistas que disseminaram a sua arte cerâmica por toda a Europa, por volta de 3 000 a.C. ??
- Não sei se ninguém reparou, mas é natural que os artistas tenham pensado noutras coisas, ou será que passaram 27 000 anos a pintar cavalinhos, mamutes, etc... e depois ficaram entretidos a levantar duas ou três pedras grandes?

É que o registo mais antigo dos Egípcios não é muito claro ser muito anterior a 3000 a.C., e já sabemos o que o Homem fez nestes últimos 5000 anos de registo histórico, mas não fazemos ideia do que fez nos 25000 anos anteriores, depois de pintar os cavalinhos com requintes de grande artista!

Seriamente, para quem na Síria mente, é muito aborrecido mencionar estes assuntos?

quarta-feira, 15 de maio de 2013

De Natura Deorum (3)

A antiga mitologia criacionista tem um aspecto maternal que aparenta ir buscar as suas raízes longe, na noite dos tempos. Há conclusões simples que não devem ter escapado aos nossos antepassados, mas que de forma propositada, ou despropositada, foram ficando do foco primeiro da atenção.

Seria óbvio que o primeiro ser pensante teria saído de um útero não pensante...
Esta era uma visão materialista, mas no sentido de uma matéria, que é mater, ou seja, mãe!
Teria o modo, a forma, mas não a razão, à matéria faltaria a alma, Alma Mater.

Alma Mater (de Edvard Munch)

Há assim um culto antigo, que se confunde com o da "mãe natureza", de onde emerge a consciência humana.  Generaliza o conceito de gestação materna de cada indivíduo, a uma génese da própria espécie pensante, enquanto produto de uma Mãe Terra. 
Cada homem necessita tanto do útero materno, como a espécie humana necessitou do útero terrestre para se desenvolver. 
Na própria gestação do feto podemos ver reproduzidas fases de desenvolvimento que nos aproximam de outros animais. E isto nada tem de darwinismo... não é uma evolução despropositada, é a reprodução sequencial de um caminho de auto-consciência. A Terra não ganhou consciência da sua existência com as bactérias, nem com as plantas, nem com os dinossauros ou mastodontes, conseguiu essa consciência através de um caminho improvável que levou aos seus filhos humanos.
Porém, só quando temos a cabeça na Lua podemos dizer que a Terra não manifestou com isso a sua própria inteligência e consciência... ou será que somos tão antropocêntricos que nem nos vemos como parte integrante de toda a mater, a matéria terrena?
Bom, é verdade que os filhos, primeiro abandonando o útero materno, depois abandonando as saias da mãe, vêem-se como seres distintos da progenitora... mas no caso da espécie humana ainda mal se poderá dizer que abandonou o útero terreno.

No mesmo sentido, se todas as coisas tem por constituintes partes de uma qualquer matéria, estão inevitavelmente dentro desse enorme conjunto, dessa magna mater universal. Aí a conclusão é ainda mais radical - estamos dentro do útero de um universo mãe, que nos gerou. Creio ter sido nesse sentido global que se desenvolveu o culto da Deusa-Mãe, e foneticamente não podemos ignorar que o som "mãe" é demasiado próximo de "mãi" ou "mãia", levando ao difundido culto de Maia, enquanto divindade que ocupou esse lugar numa mitologia popular cuja tradição se perdeu na noite dos tempos (ver texto Mayday), ainda que normalmente se associe a Cibele enquanto Magna Mater.


Curiosamente, Camões no Canto 2 (56) dos Lusíadas escreve:
"manda o consagrado filho de Maia à Terra"
o que remeteria para o hermético Hermes, pelo que nalgumas versões foi corrigido para
"manda o consagrado filho de Maria à Terra"
notando que nalguma tradição gnóstica a identificação hermética de Cristo parece ter sido considerada.


De qualquer forma, o catolicismo recuperou parte dessa génese de Magna Mater no culto Mariano - é  afinal nesse ventre materno que se formará o Deus Homem, pela inevitabilidade da sua matéria humana - será a Mater que fornece a matéria da gestação.
A tradição antiga invocaria também uma Mater primordial (Gaia) de onde teriam emergido os próprios deuses criadores (Urano, Cronos, Zeus).

Se os epicurianos aceitavam a existência de deuses criadores, desligavam-nos das suas criações, colocando-os numa esfera à parte, inacessível. Isso seria tipicamente a argumentação vazia, refugiando-se numa transcendência que escaparia ao entendimento humano... ou seja, beberia na mesma fonte onde os dogmas escolásticos vieram a assentar - a inacessibilidade, que teria como resultado a negação da racionalidade, levando à panóplia niilista. A retórica levava a racionalidade a bater no obscurantismo, porque não havendo respostas para a "criação dos criadores", tudo seria afinal equivalente à ausência de resposta.

Por outro lado, a figura cristã de um Deus Homem capaz de compreender e aceitar o seu destino material, numa manifestação de potência interna perante o sofrimento infligido pela potência externa, é tipicamente uma consagração da filosofia Estóica. Não é uma simples resignação ao sacrifício, é uma aceitação de sacrifícios como meio de alcançar a sua completa compreensão, não já na matéria humana, mas no seio superior da Alma Mater.

Não há nada igual... Há apenas igualdades parciais, conceptuais, mas têm que primeiro se estabelecer pela diferença para que as possamos agrupar depois numa qualquer igualdade.
Esse é o paradigma antigo da Mater cujos filhos são diferentes, mas que os quererá agrupar numa mesma igualdade de origem... para isso precisa de um entendimento, de uma Alma, gerada no seu seio que lhe permita essa compreensão da igualdade na diferença.

São demasiadas vezes confundidos conceitos humanos com noções puramente lógicas e abstractas, mas uns têm tradução nos outros, basta compreender como.
Podemos falar numa Deusa-Mãe ao mesmo tempo que vemos isso apenas como uma mera noção abstracta que engloba todas as entidades idealizadas, puramente matemáticas, onde o tempo, o espaço, e tudo o resto são apenas qualidades particulares, distintivas, são a matéria Mater.
O estabelecimento de relações entre as diversas noções é um nível seguinte, que leva ao conceito de inteligibilidade. Não há nenhuma "vontade materna" de equidade, mas ela pode ser expressa assim, porque ilustra o absurdo duma evolução universal para um permanente desequilíbrio. Por isso, as alegorias podem bem viver em conjunto com as afirmações lógicas, desde que lhes encontremos um sentido.

A inteligibilidade do universo está sempre um passo atrás da sua contemplação, mas não tem qualquer limite, tirando os limites lógicos. As limitações lógicas são essência da própria inteligibilidade, nem sequer estamos presos a elas... simplesmente sabemos que a sua recusa leva ao vazio, ou ao caos. Ao vazio, quando aceitamos contradições, ao caos quando começamos a falar em meias verdades.
A lógica é bivalente porque a existência é una - não nos dividimos em dois seres - um que lê esta frase, e outro que não lê, por isso apenas temos uma verdade.
A dúvida pode levar a aspectos trivalentes, por incapacidade ou cisma pessoal. A incapacidade é natural, mas o cisma é diferente, é a recusa de resolubilidade da dúvida. Ou é objectiva, ou é mera obstinação, uma recusa da possibilidade de compreensão.
Acresce que, por simples constatação lógica, a inteligibilidade do universo está necessariamente contida nele, pelo que não deve ser vista como inatingível... há limitações, em particular resultantes da nossa Mater, da matéria humana onde nascemos, mas o que interessa é a predisposição.

Temos uma predisposição favorável à verdade, ou optamos por ilusões que nos remetem para falsidades?
Não faz sentido pensar que uma pedra está infeliz com a sua natureza, nem tampouco uma planta, porque não lhe reconhecemos raciocínio ou desejos. Quanto aos animais, podemos facilmente pensar que se lhes oferecermos alimentação e a companhia desejada, isso satisfará os seus "desejos".
Continuarão a pedir mais indefinidamente? Não cremos.

Porém com os humanos é diferente... pela sua natureza infinita os seus desejos nunca parecem possíveis de satisfazer. Os humanos não estão bem consigo próprios, porque tendem sempre a cair num desajuste entre o que é e o que queriam que fosse, e repetem isso sucessivamente.
A medida de infelicidade é o desajuste entre o que se quer e o que se tem. Quem não sabe o que quer, por muito que tenha, está insatisfeito e dificilmente será feliz... e obviamente há quem consiga ser razoavelmente feliz, mesmo com pouco.

Ao contrário do que é habitual pensar, a felicidade não é um problema individual, é um problema comunitário. A questão é que basta sentirmos que há alguém infeliz para sabermos que a insatisfação pessoal daquele indivíduo o pode levar a acções que nos ameacem. Nem é só isso, a simples projecção na situação de infelicidade alheia deveria provocar também um desconforto. Por isso, ninguém pode ser completamente feliz tendo consciência da infelicidade alheia na comunidade.
Quando a comunidade é global, o problema torna-se global.
Quando as orientações de felicidade da comunidade levam a desejos de protagonismo individual, quando há desequilíbrios evidentes de posses, então a comunidade está a abrir sucessivas insatisfações nos seus elementos, agravando os problemas de infelicidade em todos.
Ao contrário, uma comunidade progride muito mais se não exacerbar o protagonismo individual, porque isso deixa de constituir um desejo de afirmação do próprio perante os outros, que é o que leva a desequilíbrios insanáveis. O progresso científico faz-se pela curiosidade natural, enquanto que o desejo de sucesso apenas limita a colaboração. Por outro lado, os desequilíbrios nas posses são tolerados pelas comunidades quando há algum racional de mérito, mas qualquer manifestação exagerada ou claramente injusta leva a grandes insatisfações. Por isso, seria necessária não apenas uma mudança da lógica comunitária, mas também uma necessidade de acompanhamento introspectivo de muita gente... porque, por falta de introspecção, muita  gente nem sabe que é infeliz - procura desculpas para a sua insatisfação nos outros, ou na comunidade. E isso, é transversal... tanto ocorre na recriminação de classes baixas a altas, como vice-versa.

A questão latente é que, mesmo eliminando as circunstâncias sociais, existem desequilíbrios naturais... e se os problemas físicos, ou os medos funestos, podem ser combatidos por medicinas, filosofias ou religiões apaziguadoras, há em última análise problemas tão simples que resumem a amores não correspondidos... e esses acabam por ser fronteiras últimas de entendimento e inquietações pessoais.


Termino, com uma pequena nota sobre a equidade.
A equidade é engraçada quando a vemos espelhada num culto dos seus promotores... o destaque que se deu a alguns promotores da equidade (e não falo apenas de Marx, Lenine, Mao, etc...) foi um contra-senso com a necessária discrição que favorecia a ideia subjacente. Quando se idolatriza alguém está-se contra a própria ideia de favorecer a equidade. Por isso, por consistência, alguns dos maiores promotores da equidade devem ter sido esquecidos por opção própria.
No entanto, mesmo assim, há quem sempre leve a questão da equidade ao limite, ponderando sobre a sua possibilidade teórica. Ou seja, será ou não possível que uma Mater tenha ao mesmo tempo filhos diferentes com perspectivas de igual protagonismo?... Repare-se que isso entronca logo com a necessidade de haver um primeiro... um varão. Como equalizar o que é afinal diferente?
O número é uma das maiores capacidades equalitárias racionais - tudo o que concebemos pode ser contado, associando-lhe um número, sem distinção do que se trata... mas mesmo fazendo isso estamos a colocar uma ordem, distinguindo os números. Um será o primeiro, outro o segundo, etc... em qualquer ordem a hierarquização parece inevitável, pelas inevitáveis diferenças. Não diferenciando nada, reduzimos tudo ao mesmo, a um.
Ora, só o tempo permite a mudança da ordem. O que hoje foi primeiro, segundo, etc... poderá ter outra ordenação em nova contagem. Por isso, pela simples repetição, retirando a referência de início ou de fim, a mudança temporal permite todas as possibilidades e uma igualdade potencial...
Isto é simplesmente importante porque mostra que a hierarquização de eventos trazida pelo tempo não é definitiva, e portanto não condena ninguém a um papel secundário...


quinta-feira, 9 de maio de 2013

De Natura Deorum (2)

Uma das principais dificuldades é saber como escrever o que se sabe... Para não se ser mal entendido, há quem diga que é melhor não escrever nada do que fazer o outro incorrer numa apreciação errada.
Não é essa a minha opinião, sob pena de não escrever nada. Os mal entendidos podem sempre ser respondidos, e por isso o formato "blog" é bastante melhor do que livros, permitindo uma interacção directa na comunicação.

Quando no texto anterior referi a "impossibilidade de inteligência artificial", comentei 
"... ideia de infinito que por acaso nós temos"
... e abstive-me de adiantar mais o que ficava implícito. 
O que fica implícito? - Que nós não somos finitos, que temos uma natureza infinita.
Ora eu sei que isto, por mais lógico que seja, será difícil de engolir por todos os positivistas, materialistas, darwinistas, e companhias limitadas... explícitas ou disfarçadas.

É claro que há sempre a fácil escapatória, que é ignorar. Só que o problema das ideias é que elas não desaparecem por persistência da ignorância... e então surge o outro redil - baralhar tudo.
Há ideias, presentes desde a Antiguidade, que foram reclassificadas, complexificadas, a ponto de não se tornarem inteligíveis, ficando enredadas em confusões, misturadas convenientemente com outros assuntos.

Nesse sentido, torno as coisas ainda mais claras.
Temos consciência das nossas limitações. 
Porém, só pode saber que é limitado quem tem consciência disso. Automaticamente, por negação lógica, concebe-se a noção de ilimitado. Uma criança quando começa a saber os números, sabe que pode sempre somar um... apercebe-se de que nada impede a continuação, excepto a sua limitação de o prosseguir.
Esse talvez seja o primeiro confronto com a sua limitação, e ao mesmo tempo com a ideia de infinito... os números são infinitos. Não é nada que lhe seja transmitido pela natureza, é uma conclusão pessoal abstracta.

Os humanos criaram assim um desejo de superar as suas limitações, apenas porque concebem a ideia oposta. Não estão em paz com a sua natureza, porque sendo limitados concebem que poderiam não o ser. Essa ansiedade não se manifesta nos restantes animais... ou seja, as suas atitudes parecem conformar-se a simples requisitos da sua natureza, nomeadamente a alimentação e a reprodução. Mesmo algumas manifestações sociais dos animais parecem ter apenas como objectivo esses dois aspectos, seja em lutas territoriais ou hierarquização numa matilha.

A descoberta do DNA tornou claro que não é na genética que vamos encontrar nenhum aspecto infinito da natureza humana. Quando abordei a questão da junção dos 23 cromossomas humanos que produzem um ovo com 46 cromossomas, disse que do ponto de vista digital isso levaria a juntar duas Pens de 1Gb, para produzir um ovo de 2Gb! Nada de infinito há aí... aí só temos o aspecto finito, que nos dá a parte animal que se ajusta a esta realidade, tal como à dos restantes animais.
Conforme já disse no texto anterior, de uma estrutura finita apenas poderiam emergir noções finitas, em tempo finito. Para além da simples contradição matemática, que impede que uma noção infinita seja identificada a uma noção finita, há argumentos mais interessantes e simples.

Quando à criança é colocada perante a tarefa de contagem, ela tem consciência das suas capacidades e da tarefa em questão... as suas capacidades podemos dizer que estão no seu "eu", enquanto que a tarefa não está, é um desafio externo, cuja resposta desconhece, ficará no seu "não-eu". Automaticamente sobe um nível, porque também coloca o problema no conjunto "eu"+"não-eu", que é já maior do que o "eu" inspeccionado... passa a haver um "Eu" maiúsculo que olha para o "eu" minúsculo e para a tarefa. 
Conclui pela sua limitação... por verificar que o que é pedido transcende o "eu".
Há uma conclusão do "Eu" que remete para a limitação do "eu"... mas também deveria haver o contrário, ou seja, quem analisa é maior do que quem é analisado. Isso também remete para a noção de infinito.

Uma estrutura finita não pode fazer isto... não pode identificar-se a uma parte, e concluir pela sua limitação. Pode concluir a limitação da parte, mas não pode fazer a identificação.
Há assim vários argumentos que levam à mesma conclusão - a natureza dos humanos não é finita.

Mais que isso... é justamente a consciência da limitação que permite a concepção de infinito.
Agora, é claro, há quem insista em contar até milhões, biliões, triliões, em vez de olhar para si próprio, e concluir que é inútil esse processo de conhecimento. Para se convencer que está no caminho certo, pode persuadir ou obrigar os outros a fazer o mesmo... mas não se chega à verdade arrastando os outros para a mesma ilusão, e para os medos... afinal o maior pecador é aquele que mais invoca o perigo dos outros, por temer que sejam iguais a si.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

De Natura Deorum

A maioria das pessoas negligencia por completo a filosofia, esquecendo que acabam por ser vítimas da ética adoptada pela sociedade, da sua moral de índole filosófica, seja por vertente religiosa ou científica.

Desenvolve-se uma visão egocêntrica que chega a aspectos caricatos... qual será a ideia de pedir intervenção divina para sucesso competitivo? - uma tentativa de corromper regras e arbitragem?... para um jogo, para um emprego, para um concurso? - qual a divindade invocada para tal propósito iníquo?
Quando o próprio pede destaque, implicitamente pede menor importância para os restantes, mas isso não coíbe uma boa maioria da população a invocar essa forma de iniquidade moral religiosamente.
Não só... ao dar importância ao destaque, ao sucesso, significa dar importância a quem já tem esse sucesso. Afinal, quando o sucesso é um fim em si, há expedientes que o desligam por completo do trabalho que se pretende promover. Aliás, há pessoas cujo sucesso se baseia simplesmente nos expedientes assessórios, sem nenhum trabalho associado. Depois, é claro, a roda do "sucesso" traz "sucessores"...

À parte da simples sobrevivência saudável, não está definido nenhum topo pela natureza. Socialmente ilude-se um topo, que se alimenta do desejo que os outros sentem em chegar ao mesmo topo. Quantos mais houver a darem relevância a essa competição, mais essa competição ganhará relevância... para benefício de quem já está nesse topo, pois os outros partem sempre em circunstâncias desfavoráveis.
Faz sentido às tartarugas quererem ganhar uma corrida contra lebres? Pode fazer sentido às lebres estimularem a vontade de correr às tartarugas... porque sabem que ganham sem esforço essa competição.
Ah!... e depois haverá o mito de que um dia uma tartaruga ganhará à lebre (porque a lebre adormece). Esse mito interessa a quem? Só for às lebres, que querem manter o interesse das tartarugas pela corrida.
O que interessa afinal às tartarugas?... Creio ser óbvio que interessa perceber quem são, para depois encontrarem individualmente o caminho para o mar, e esquecerem inúteis corridas com lebres.

Ao longo dos tempos, as sociedades foram oscilando entre a sua capacidade destruidora e a capacidade criativa, movidas por ideias filosóficas que se confundem com simples ideias de competição pelo poder.
O poder uma vez alcançado acaba por se findar como objectivo... e a sua manutenção apenas adia a pergunta - para que serve esse poder?... para ser temido, ou bajulado artificialmente?

Nada disto merece muita escrita trivial, porém a ausência de espírito crítico, e as dissensões filosóficas/ religiosas, são marcantes na perturbação da vida quotidiana.
Lendo o rebate que o Padre José Agostinho Macedo tenta fazer à posição da maçonaria, "Refutação dos Princípios Metafísicos e Morais dos Pedreiros Livres Iluminados" (1816), torna-se claro que a posição filosófica da maçonaria usa alguns preceitos epicurianos... citando-o:
Neguem o que quiserem, eu sei que o Iluminismo não é mais que o Epicureismo mal entendido: com este se pretende dissolver o laço da Religião, alucinar os incautos, e procurar converter os erros do entendimento na corrupção do coração.
Portanto, quando somos influenciados por uma guerra surda entre posições filosóficas, convirá ir às bases do raciocínio filosófico.

Lendo uma introdução ao "De Natura Deorum", de Cícero, feita por H. Rackham (1933), encontramos uma síntese interessante das visões epicurianas e estóicas (a visão académica, platónica, é vista à parte):
From Aristotle onward Greek philosophy became systematic; it fell into three recognized departments, Logic, Physics and Ethics, answering the three fundamental questions of the human mind :
(1) How do I know the world ?
(2) What is the nature of the world ?
(3) The world being what it is, how am I to live in it so as to secure happiness ?
And in answer to these questions the Stoics and the Epicureans were agreed
(1) that the senses are the sole source of knowledge,
(2) that matter is the sole reality, and
(3) that happiness depends on peace of mind, undisturbed by passions, fears, and desires.
Rackham acrescenta que a diferença principal entre epicurianos e estóicos era ética. Os primeiros consideravam que a nossa vontade se deveria impor à natureza, enquanto que os estóicos consideravam que nos deveríamos submeter a ela. Isso era justificado porque os epicurianos consideravam que o divino se alheava do nosso mundo, enquanto que os estóicos consideravam que o universo era controlado por Deus, e que a mente divina se expressava no devir universal. Apesar de ambos os sistemas serem materialistas, diferiam assim substancialmente. Os estóicos eram deterministas, mas consideravam haver um livre-arbítrio na aceitação, e que a felicidade humana consistiria em usar o intelecto para a compreensão.

É-me mais simpática a posição estóica, apesar de diferença nos pontos (1) e (2).

(1) É claro que quem argumenta que os sentidos são a única fonte de conhecimento, começa logo por desprezar todo o conhecimento abstracto que é desenvolvido internamente, e que nenhum correspondente directo tem na natureza. Por exemplo, um sonho não pode ser fonte de conhecimento? Que sentidos estão aí envolvidos? Ao contrário, aquilo que podemos concluir é que há noções abstractas que existem para além da realidade física... a física pode mudar, mas as noções matemáticas estão para além da física particular.
É claro que na lógica do "sucesso", podemos encontrar os habituais "sinkers":
... que gostam da evolução da macacada. Sobre as contradições da visão materialista pura já falei, em particular, no texto "as teias ateias".
Não quer isto dizer que o que seja dito esteja completamente errado, tal como não é errado afirmar que só vemos o nosso nariz quando queremos, apesar dele estar sempre no nosso campo de visão. Mas, por obstinação, só para manter o nariz empinado, pode haver até quem negue vê-lo... e também há os mais distraídos, que procuram os óculos tendo-os colocados.
Assim, como complemento de absurdo, ganha asas a ideia de que o pensamento humano é mera mecânica... e se uma parte dele o é, não o é no desenvolvimento de ideias abstractas. Aliás, não consta que nenhuma máquina, e que eu saiba nenhum passarinho, tenha mostrado capacidade de desenvolver ideias abstractas autonomamente. Isto já para não falar de que é uma mera contradição matemática pretender-se que um processo finito deduza autonomamente a ideia de infinito... ideia de infinito que, por "mero acaso", nós temos. Aliás, é bem sabido que foi necessário considerar o infinito como axioma... por isso estes ateus são quem tem mais fé - na complexidade das máquinas e no empenho dos passarinhos.
Enfim, às vezes não sei se é má vontade, ingenuidade ou simples ignorância...

(2) Outra coisa diferente é dizer que a matéria é a única coisa que existe... depende do que se entende por "matéria". Podemos seguir uma versão semelhante às mónadas de Leibniz, pela conclusão que se retira do que escrevi no "Arquitecturas (5)". Esta "matéria" nada tem a ver com a noção habitual, ligada à realidade dos sentidos... como pretendia Demócrito e o epicurismo. A diferença não me parece significativa com o que preconizava Leibniz, e aliás creio que ele o formularia da mesma forma, tivesse conhecido a teoria de conjuntos, depois introduzida por Cantor.
A maior diferença é que Leibniz o propôs sem aparente razão, enquanto no texto que escrevi, toda a construção surge como inevitabilidade lógica. Na verdade, não se vislumbra nenhuma objecção possível a tal dedução cujos argumentos são simples, mas levam à noção de complexidade. Reforça-se por ter reencontrado argumentos similares em Leibniz... e, que é claro, tal como ele conclui, não inviabilizam a possível existência de um conceito divino.

(3) Do anterior se conclui, como Leibniz, ou os estóicos, que há uma pré-determinação. Isto parece não ser uma visão confortável para quem preza a liberdade... mas o problema do conceito de liberdade é que toma como certas muitas ofertas da natureza! Estamos demasiado habituados a controlar muitas coisas para percebermos como não dependem da nossa vontade. Em particular, só quando somos confrontados com algumas deficiências é que verificamos como era ilusória a nossa capacidade de controlo, até sobre o nosso corpo... pior, até mesmo sobre a nossa mente. Quanto a isso, os estóicos propunham ter a capacidade de compreensão de aceitar esse destino, e portanto tentar sempre viver o melhor possível com as faculdades disponíveis... não adiantaria de nada amargurar-se pelo fado.

Ninguém escolhe o corpo em que nasce. Nem o corpo físico, nem o corpo social.
Aceitam-se melhor as vicissitudes do corpo físico do que as desvantagens da posição no corpo social. É claro que faz todo o sentido procurar atenuar as maleitas que advêm dessas circunstâncias de nascimento e desenvolvimento... Claro que, para os epicurianos, perante a ideia de terminus mortal, juntamente com a ideia de divindades alheadas dos fados humanos, isso levaria a posições éticas mais libertinas.
Assim, na época Iluminista chegou-se com o Marquês de Sade, ou mesmo com Jeremy Bentham, às ideias hedonistas... a busca dos prazeres imediatos, sem grande respeito pelos concidadãos.

Esse era o grande alvo da crítica do Padre Macedo, a Maçonaria nem sempre negava a existência de Deus, mas colocava-O numa perspectiva não interventiva, o que na prática lhes permitia a ausência ética e moral... ainda que a filosofia epicuriana não preconizasse isso. Para efeitos de ordem social, criou-se então uma ilusão estratificada de objectivos, que permitiria iludir uma felicidade popular, induzindo educacionalmente os seus desejos. O dinheiro acabou por ser o sangue que iria irrigar o corpo social, e a sua fartura ou escassez iria condicionar vontades, alimentando um certo ideal hedonista de felicidade.

Do ponto de vista platónico, a imortalidade da alma tinha o contraponto ético que não levava a essa tomada de posição hedonista, de aproveitar a vida como única... enquanto que, do lado estóico, a ética se justificaria pelo respeito ao pré-determinismo resultante da intervenção divina.
Não se tratando de um período propriamente obscurantista, ou de forte imposição religiosa, não deixa de ser curioso que as filosofias gregas, mesmo materialistas, invocavam uma criação divina. Dada a diferença de posições, entre estóicos e epicurianos, não os motivaria tanto evidências de intervenção divina (afinal, elas eram negadas pelos epicurianos), mas concordariam pelas evidências de uma criação racional.

Não vemos que apresentassem nenhum sentido particular para a vida, sendo que o objectivo de felicidade, temporária ou não, encerrava o habitual desejo antropocêntrico. Basicamente, então, tal como hoje, as filosofias e éticas dominantes pareciam completamente perdidas nas próprias ilusões que alimentavam.
Bom, e depois está-se a ver no que isto foi/vai dar...
Porque há sempre quem insista em embater contra a lógica, até quem a negue, porque afinal o próprio será o objectivo primeiro e último da criação... e até tais ideias peregrinas têm que fazer sentido!
E, consegue-se que tudo encaixe, tudo faça sentido... sim, mas só mesmo com uma compreensão estóica! Porque, se o nosso conhecimento é limitado, temos uma notável capacidade de compreensão, que parecendo potencialmente quase ilimitada, também convém não abusar dela.
Será suficiente para entender o que é preciso entender... há atalhos e há trabalhos.