domingo, 19 de maio de 2013

Linhas Velhas de Torres

- "Estás aborrecido?... Vai para Torres!"
Esta era uma frase que ouvia, de vez em vez, à minha avó. A referência era de Torres Vedras, disso não tenho dúvidas... e se lhe perguntei porquê, tenho dúvidas se a resposta remetia ao Carnaval.

Vamos então a Torres Vedras, onde "vedras" significa "velhas", onde estão essas Torres Velhas?
Não muito longe fica Torres Novas... cujo castelo foi conquistado por D.Afonso Henriques.
Para termos uma noção da toponímia, mesmo estas "torres novas" não seriam assim tão novas, e o termo arcaico "vedras" remete o velho mesmo para uma altura em que a palavra "vedras" tinha uso. 

Há uns anos não ligaria ao assunto, porém depois de ver os pretextos do Marquês de Pombal em arrasar com a Torre Pentagonal de Hércules, de Coimbra, e o desaparecimento quase simultâneo das Torres de Hércules em Cadiz, dá para perceber que poderia haver uma agenda para terminar com torres antigas...

As Linhas de Torres e o Forte do Zambujal
Já sabemos como são estas coisas... invasões napoleónicas, os ingleses vêm-nos ajudar, e para isso as velhas construções seriam facilmente reutilizáveis em coisas úteis em tempo de guerra, como sejam:

As Linhas de Torres eram suposto fornecer muralhas defensivas que se estenderiam, do Tejo ao Atlântico, para proteger o avanço das tropas napoleónicas...
Surpreendentemente não restou muito/nada dessa grande obra de engenharia militar. Notou-se aliás nas comemorações dos 200 anos que não pareciam encontrar grandes muralhas que honrassem tal obra, nomeada uma grande obra de engenharia militar do Séc. XIX.

Um dos sítios que foi escolhido para as comemorações foi o Forte do Zambujal

Será este Forte do Zambujal um dos melhores vestígios das famosas Linhas de Torres?

O Castro do Zambujal
Mudamos de assunto... aparentemente!
Por vezes alguns arqueólogos fazem algo estranho... encontrar vestígios de coisas antigas em Portugal, mas digamos mesmo antigas, do fim do Neolitico.
Basicamente entre as Torres Vedras e as Torres Novas, foram dar com o Castro do Zambujal.


Talvez se o Castro do Zambujal estivesse no meio das Linhas de Torres, como estava o Forte do Zambujal, houvesse também comemorações... com uma diferença até 5000 anos entre a engenharia inglesa e a rústica engenharia dos povos do Neolítico - ainda que não se note muito qual é mais recente!

Para não estar com mais rodeios... não é de excluir que as "Linhas de Torres", de Wellington, pouco mais foram do que um projecto de reconversão de extensas muralhas e torres "vedras", aproveitadas com algum propósito militar que se justificaria, é claro, mas muito mais com um propósito de fazer esquecer as antigas.
Aliás se houve alguma significativa construção militar dirigida pelos ingleses, parece não ter restado vestígio... pelo que o propósito pode ter sido mais o de retirar pedras do que colocá-las.

É de ficar aborrecido? É ir para Torres... 

Antas, Zambujices e Mouras
Bom, mas a história não acaba no Zambujal de Wellington, porque o outro Zambujal, mais ao lado, já foi suficiente para toda uma nova teoria acerca do final do Neolítico, inicio do Calcolítico.
Há quem considere que toda aquela zona foi afinal o centro de produção da cerâmica campaniforme.
Esta cerâmica de vasos campaniformes está na origem de uma "moda" que se propagou durante milénios pela Europa Ocidental.
Vasos Campaniformes - Portugal, Espanha (2), Boémia (2), Inglaterra. (daqui)

Vários investigadores argumentam que toda essa cultura seria originária de onde?
- da zona do Castro do Zambujal (Vila Nova de S. Pedro, Azambuja)
- ou seja, da zona de Torres Vedras!

Um texto elucidativo é o de Olivier Lemercier (2006)
e estes seus mapas explicam bem como se considera agora que se propagou a exportação da cultura:

 

Ou seja, houve um processo marítimo de expansão... e podemos bem perceber como entrou até às zonas boémias, e talvez mesmo até à Galécia polaca/ucraniana. Este mapa pode ainda ser confrontado com os mapas genéticos que têm a disseminação do Haplogrupo R1b.

Colocar o centro da cultura campaniforme no Zambujal, na Estremadura, na zona de Torres?
- Alguém ficará aborrecido?
Há quem argumente o contrário, mas o problema é que as cerâmicas portuguesas chegam a ser mil anos mais antigas que as restantes europeias, indo para além de 3000 a.C. Pode aborrecer?...

Há vários nomes Zambujal, Zambujeiro, etc... que devem remontar a registos de épocas tão "vedras" quanto 3000 a.C. 
Há ainda outros nomes que remetem para coisas mais antigas - as Antas, escondidas em muitos St. Antão.
Como o nome indica, as Antas estão muito associadas aos monumentos megalíticos - dolméns, menires, habitualmente reportados à cultura celta, mas que seriam tão ou mais antigos do que este registo dos Zambujais!

Há ainda outros nomes, igualmente perdidos em antiguidades pré-históricas, associados a Mouros/Mouras.
São depois disfarçados em "Lendas de Mouras", mas não dizem respeito necessariamente às invasões árabes. O problema é que o povo Mauro/Mouro tanto habitava este lado da Península, como o lado africano, fazendo o salto das Colunas de Hércules. Chegou a haver uma Grande Mauritânia, que se estendia da Península pelo Norte de África... e nada tinha a ver com os mouros que depois nos vieram "visitar" de novo. Esses parece que, comparativamente, poucos estragos fizeram... mas da sua presença dificilmente encontramos uma mesquita de pé em território nacional - por cá sempre houve quem cuidasse em fazer desaparecer a história!

Como encaixa tudo isto?
Para encaixar isto, é preciso responder a uma questão simplesmente complicada!
Como saltamos dos artistas das pinturas rupestres de 30 000 a.C. para estes novos artistas que disseminaram a sua arte cerâmica por toda a Europa, por volta de 3 000 a.C. ??
- Não sei se ninguém reparou, mas é natural que os artistas tenham pensado noutras coisas, ou será que passaram 27 000 anos a pintar cavalinhos, mamutes, etc... e depois ficaram entretidos a levantar duas ou três pedras grandes?

É que o registo mais antigo dos Egípcios não é muito claro ser muito anterior a 3000 a.C., e já sabemos o que o Homem fez nestes últimos 5000 anos de registo histórico, mas não fazemos ideia do que fez nos 25000 anos anteriores, depois de pintar os cavalinhos com requintes de grande artista!

Seriamente, para quem na Síria mente, é muito aborrecido mencionar estes assuntos?

9 comentários:

  1. Sempre achei q aquelas linhas de torres tinham sido construídas demasiado depressa...

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  2. Bem observado, cara Olinda!
    Temos mais, diz o Jornal de Coimbra de 1818 (Volume 12, pag 37)
    http://books.google.pt/books?id=MmlEAAAAcAAJ

    as linhas de Torres-Vedras, guarnecidas de grossa artilharia, que se achavam estabelecidas de antemão desde o Rio Tejo em Alhandra até beiramar acima de Peniche.

    Esta descrição feita meia-dúzia de anos depois, é praticamente contemporânea, e revela mais uma linha de artilharia militar do que propriamente fortificações. Acresce que se diz que chegavam acima de Peniche - isto nada tem a ver com o que se disse logo depois - o rio Sizandro.

    A Revista Panorama de 1839-40 (Pag.330) dizia
    http://books.google.pt/books?id=dDM9AQAAIAAJ

    Linhas de defesa de Torres-Vedras, que a acção do tempo tem pouco a pouco demolido, e que mereceriam ser conservadas como monumento (...)

    "Acção do tempo" só em vinte ou trinta anos? Parece que já pouco se via...

    Acresce que na História da Guerra Civil (Vol.5) de Simão Soriano (pg. 512)
    http://books.google.pt/books?id=IyoLAAAAIAAJ

    ... parece que Wellington diz:
    vi-me obrigado a fazer uma 2ª viagem a Lisboa em Fevereiro de 1810, de que resultou mandar destruir as obras que se tinham começado, levantando-se outras no lugar.

    Respondia porque havia dúvidas sobre quem tinha tido a ideia das "Linhas" (um Major Neves Costa), e se já havia construção anterior... É que em 1822 Portugal viu-se obrigado a pagar à Inglaterra a construção das "Linhas"!

    Acresce que Wellington diz isto (pag. 534):
    Em relação às obras, não há dúvida que foram empreendidas e executadas sem conhecimento ou consentimento do governo português (...)

    ... e notavelmente Wellingtion opõe-se à extorsão pelo pagamento da obra, dizendo em particular que os sacrifícios do povo tinham sido mais que suficientes.

    Em suma:
    - Houve talvez a construção de alguns fortes, e colocação de peças de artilharia em diversos montes, formando uma linha defensiva que passaria pela zona de Torres Vedras.
    - Houve destruição de construções já existentes...
    - Passado pouco tempo já pouco ou nada restava de construções inglesas.
    - Os ingleses ainda nos vieram imputar o custo disso... e de muito mais - ficámos a pagar dívidas da defesa durante o Séc. XIX - ao passo que os franceses, perdedores da guerra, não pagaram indemnizações.
    - Aborrecido, não foi?

    Entretanto, neste último texto de Simão Soriano (pg. 515) li que:
    - Haveria em Lisboa "estátua e busto de Martim Moniz" mandada colocar por D. Afonso Henriques, na "Porta Moniz" onde haveria duas Torres:
    - Torre de Ulisses - por se atribuir a sua fundação ao herói grego
    - Torre Albarran - onde nos primeiros tempos se guardavam os tesouros da coroa (...) foi nesta torre que El-rei D. Fernando criou o Arquivo Real, conhecido desde então pelo nome "Torre do Tombo"

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    1. Torre do Tombo, agora construção moderna para onde foram lançados todos os documentos, que, se os quisermos consultar é um 31...

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    2. Pois, está claro... "Quer saber? Quem quer saber? Porquê? Para quê?"

      Um dia pedi no Convento de Mafra uma relação dos livros que ali havia.
      Não tinham. Tinha que marcar entrevista com a historiadora responsável.
      Ao que parece haveria apenas um registo completo dos livros, feito à mão, há uma centena de anos.
      Nem se trata de ter acesso aos livros, muitas vezes nem sequer temos acesso à lista de livros que lá existe!
      É um espectáculo de transparência... mas que lhes faça bom proveito, a eles e às traças!
      Demora mais tempo, mas não é preciso pedir nada... quando é para aparecer, as coisas aparecem mesmo que muitos não o queiram!

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  3. Poderão consultar aqui, artigo completo do Professor Ludovico Schwennhagen (Chove-na-água), carinhosamente chamado pelo povo nordestino brasileiro!

    http://content.yudu.com/Library/A1kgjj/AntigaHistriadoBrasi/resources/index.htm?referrerUrl=http%3A%2F%2Fproano.blogspot.com%2F

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  4. Uma expedição pouco conhecida...
    http://www.creationism.org/swift/DohenyExpedition/Doheny01Main.htm

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  5. As Linhas de Torres foram construídas em pouco mais de 1 ano sim... as 152 fortificações, ao contrário do que muitas pessoas pensam, não são somente construções em pedra e cal... aliás... a maioria são em terra. Para entenderem melhor, aconselho a ver o seguinte link:
    http://ensina.rtp.pt/artigo/linhas-de-torres/

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    1. Caro Dinho,
      ninguém fez confusão sobre os diversos tipo de fortificações usadas.
      O que pode surpreender, e a mim que não tinha ligado ao assunto, acabou por surpreender, é que praticamente não existiu, ou pelo menos não restaram, fortificações muradas de "pedra e cal".
      A escolha do local do Forte do Zambujal é esclarecedora sobre o que resta... que eu saiba ninguém usa a designação "fortificações" para o conjunto de trincheiras que foram usadas na 1ª Guerra Mundial. Mas isso será um mero detalhe linguístico.

      No caso concreto do Forte do Zambujal, as imagens que vejo, tanto poderiam ser desse eventual aquartelamento, como duma escavação arqueológica.
      Se fizer o favor de reparar, verá que a pedra usada ali nada tem que a remeta ao Séc. XIX. É tão tosca no empilhamento que poderia pertencer ao Neolítico, e o que faço mais notar é que no Castro do Zambujal, remetido a esse Neolítico, tem construções com mais rigor.
      Mas isto, é claro, não pretendo aqui ensinar nada, mas também lhe digo que nada aprendi só com links que "ensinam".
      Cumprimentos.

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