quarta-feira, 25 de abril de 2012

Conhecimento Perigoso

Um excelente documentário da BBC(4):

O título "Conhecimento Perigoso" parece exagerado no caminho que pretende levar - conhecimento que pode levar à insanidade mental, e acaba por mostrar que esse perigo resulta das pressões sociais devidas ao conhecimento, e não devido ao conhecimento em si.

O documentário segue essencialmente a crise dos fundamentos da Matemática, na transição do Séc. XIX para o Séc. XX, através de dois personagens principais: primeiro Cantor e depois Gödel. Há uma outra história complicada, envolvendo Hilbert (que é mencionado) e Brouwer, que também mereceria menção.

Procurando envolver-se mais na história dos personagens, o documentário acaba por evitar falar do que estava em causa nessa crise. Não é um assunto fácil para a esmagadora maioria da população, e por isso é natural que seja evitado.

Kronecker, indicado como um dos opositores de Cantor, terá dito: 
"Deus fez os números naturais, o resto é obra do homem"
Os números "naturais" são simplesmente 1, 2, 3, 4, 5, etc...
A noção de infinito aparece aqui naturalmente, já que as próprias crianças confrontam-se na brincadeira com a impossibilidade de encontrar o maior número... basta juntar um, e será sempre maior do que o anterior.
Cantor vai quebrar a intuição de infinito, afirmando que "há tantos números pares quanto números naturais"... Parece contraditório, desaparecem os números ímpares? Claro que não, e a afirmação aplica-se igualmente a números ímpares. A razão é simples, a qualquer número natural podemos fazer corresponder um número par, basta multiplicar por 2, e por isso há uma correspondência directa e a quantidade de uns e outros é igual.

Este é o primeiro infinito "dos números naturais", mas o notável será que Cantor mostra que há um outro infinito diferente deste. Mas para isso precisamos de falar em números racionais...

Os chamados números "racionais" nada mais são do que a divisão entre dois números naturais, ou seja, uma fracção. Como habitualmente usamos fracções decimais, habituámo-nos à sua forma enquanto números decimais.... E se duas casas decimais são usadas para representar os cêntimos, é óbvio que quando se exige maior exactidão são precisas mais casas decimais. Tal como não há fim para os números naturais, não há fim para o número de casas decimais...
Na prática bastam poucas casas decimais para ter grande precisão... mesmo nos cálculos modernos, raramente são precisas mais do que 10 casas, e mesmo aí já estamos a falar em medidas ao nível atómico.
Porém a matemática é uma ciência de pensamento, e a idealização não tem limites físicos.
Uma régua matemática é um contínuo de pontos idealizado, e não uma colagem de átomos.

Foi ao analisar o infinito dos números decimais que Cantor demonstra que é superior ao infinito dos números naturais. Ou seja, o infinito de pontos contínuos numa régua matemática é maior que o infinito da contagem... 
A Hipótese do Contínuo, que segundo o documentário teria levado à loucura de Cantor, seria demonstrar que entre estes dois infinitos não existiria mais nenhum outro tipo de infinito. 

É Gödel que dará o primeiro passo decisivo na resolução do problema, mostrando que, dado um número finito de axiomas, haveria afirmações sobre as quais não se poderia saber se eram verdadeiras ou falsas - indecidibilidade. Um dos casos de indecidibilidade era a Hipótese do Contínuo... Cantor estava a tentar provar algo que Gödel e Cohen vão demonstrar ser impossível de provar. A questão ficou assim arrumada há 50 anos atrás.

Maçonaria de Regra e Compasso
Cantor e Gödel deparam-se com um problema similar ao abordado por Pitágoras e Euclides, uns milénios antes. Começamos pela bem conhecida lenga-lenga
"o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos"
que é ilustrado sempre com muitos triângulos rectângulos... mas dificilmente veremos com este:
O Teorema de Pitágoras é mais geral, e não se aplica apenas ao triângulo em questão, já que os catetos não têm que ser iguais, e a hipotenusa nunca é representada como base do triângulo (usa-se um dos catetos).
Colocado desta forma explicita o caso da pirâmide... pois "Hipo" é prefixo para "baixo", logo a hipotenusa deve ilustrar-se na base. E como "katheto" significa "cair na perpendicular", nesta representação os dois lados caiem na perpendicular.
Desta forma a Hipotenusa surge ainda como uma diagonal de um quadrado (ou se quisermos desenterrar... de um  octaedro "enterrado", do qual se vislumbra apenas a pirâmide superior... isto para quem quiser sondar no deserto egípcio se não há afinal octaedros que são octo-manos das pirâmides).

O valor "raiz de 2" (ou similar) obtido na hipotenusa tinha uma particularidade que preocupou os pitagóricos... não se conseguia representar-se por nenhuma fracção. 
Esses números que não podem ser representados por fracções foram chamados "irracionais", já que não eram representáveis por uma razão (divisão). É consequência do trabalho de Cantor que há mais irracionais do que racionais... uns têm a potência do infinito contínuo, os outros do infinito contável. 
Mas já na antiguidade isto causou considerável perturbação!
Há até uma alegoria que conta que quem saía dos números pitagóricos "era atirado fora do barco". É numa proposição dos Elementos de Euclides, já muito depois, que aparece a prova "simples" de que seria impossível escrever "raiz de 2" como fracção. Havia uma limitação nas fracções, tal como Gödel veio milénios mais tarde a provar que havia uma limitação nas demonstrações axiomáticas.

Para além da limitação nas fracções, conhecida na antiguidade (aliás todo este conhecimento pitagórico  era já existente na Babilónia...) seguiu-se um problema milenar... a Quadratura do Círculo!
O número "raiz de 2" apesar de irracional, representava uma quantidade que poderia ser obtida de forma geométrica, usando um compasso. Haveria números que não pudessem ser obtidos dessa forma?
O problema foi colocado com o número Pi... exactamente na questão da Quadratura do Círculo.

A Quadratura do Círculo ilustra uma limitação na construção de quantidades, exigindo apenas régua e compasso, uma limitação clara da Geometria clássica.  
Régua e compasso que são símbolos bem conhecidos da maçonaria...
Geometria de Régua e Compasso

A letra G pode encarar-se como representante da Geometria, mas não será apenas isso... e daí derivou todo um folclore... que até levou à ideia sensual do "ponto G".

O problema da Quadratura do Circulo resistiu milénios... e só acabou resolvido no final do Séc. XIX, com os trabalhos de Hermite e Lindemann, que provaram justamente que Pi era um número "transcendente", e por consequência que não seria possível obter uma quantidade Pi usando apenas régua e compasso.

O que é engraçado é que o processo de demonstração não usou a Geometria, usou um outro ramo da Matemática - a Análise. Ao contrário da ideia que se dá no documentário, é a Análise que começa a lidar com a noção de infinito, e a substituir todas as limitações geométricas por processos de aproximação sucessiva. Esse progresso está directamente ligado a toda a inovação tecnológica. Teve como principais padrinhos Descartes e Newton, mas os pais são bem mais antigos.
Arquimedes usa métodos analíticos, mas a sua origem é habitualmente reportada a Eudoxo (Séc. IV a.C), pela técnica de exaustão, e foi só retomada 2000 anos depois. Há ainda um outro Eudoxo apontado como um dos primeiros a contornar África e a ensinar o fogo, conforme atesta Duarte Pacheco Pereira em 1506
dizem mais estes autores que Eudoxo fugindo das mãos del Rey Latiro da Alexandria navegou do mesmo Sino Arábico até Cadiz, & Pompónio Mela autor muito antigo natural de junto com Gibaltar isto mesmo afirma & diz mais no fim do seu terceiro livro de Sito orbis que este Eudoxo foi o primeiro que o fogo, e uso dele, trouxe aos povos bárbaros da Ethiopia aos quais até aquele tempo ignoto era & nesta sentença concordam alguns dos outros cosmografos. A qual navegação & pratica dela se tirou assim dos olhos de todos os antigos: de tal maneira se perdeu que por tempo de mil & quinhentos anos, ou mais, soube de todo esquecida.
 Portanto, muito para além das frustrações que o próprio conhecimento coloque aos cientistas, têm sido muito mais as maquinações que vitimaram a sua independência, personalidade e sanidade. Ideias antiquissimas só foram retomadas na Idade Moderna, com a muita tradução do material antigo que tinha sido esquecido/proibido. 


2 comentários:

  1. Baixar o Documentário - Conhecimento Perigoso - http://mcaf.ee/oq1zt

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  2. Como o link do vídeo Youtube desapareceu, mudei para um novo link:

    https://www.dailymotion.com/video/xsppob

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